Um estudo publicado no último dia 13 de julho pela revista científica The Lancet Oncology atribuiu ao consumo de álcool mais de 4% de todos os novos casos de câncer em 2020.
Câncer – o que é?
Câncer é um termo que abrange mais de 100 diferentes tipos de doenças malignas que têm em comum o crescimento desordenado de células, que podem invadir tecidos adjacentes ou órgãos a distância.
Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores, que podem espalhar-se para outras regiões do corpo.
O câncer surge a partir de uma mutação genética, ou seja, de uma alteração no DNA da célula, que passa a receber instruções erradas para as suas atividades.
O processo de formação do câncer é chamado de carcinogênese ou oncogênese e, em geral, acontece lentamente, podendo levar vários anos para que uma célula cancerosa se prolifere e dê origem a um tumor visível. Os efeitos cumulativos de diferentes agentes cancerígenos ou carcinógenos são os responsáveis pelo início, promoção, progressão e inibição do tumor.
A carcinogênese é determinada pela exposição a esses agentes, em uma dada frequência e em dado período de tempo, e pela interação entre eles. Devem ser consideradas, no entanto, as características individuais, que facilitam ou dificultam a instalação do dano celular.
Entre 80% e 90% dos casos de câncer estão associados a causas externas e apenas de 10 a 20% a fatores genéticos. As mudanças provocadas no meio ambiente pelo próprio homem, os hábitos e o estilo de vida podem aumentar o risco de diferentes tipos de câncer.
Fatores de risco para o desenvolvimento da doença
O termo “risco” é usado para definir a chance de uma pessoa sadia, exposta a determinados fatores, ambientais ou hereditários, desenvolver uma doença. Os fatores associados ao aumento do risco de se desenvolver uma doença são chamados fatores de risco.
O mesmo fator pode ser de risco para várias doenças – o tabagismo e a obesidade, por exemplo, são fatores de risco para diversos cânceres, além de doenças cardiovasculares e respiratórias.
Vários fatores de risco podem estar envolvidos na origem de uma mesma doença. Estudos mostram, por exemplo, a associação entre álcool, tabaco, e o câncer da cavidade oral.
Os fatores de risco podem ser encontrados no ambiente físico, herdados ou resultado de hábitos ou costumes próprios de um determinado ambiente social e cultural.
Bebidas alcoólicas e câncer
Bebidas alcoólicas não devem ser consumidas, pois favorecem o desenvolvimento de diversos tipos de câncer.
Estudos mostram que consumir bebidas alcoólicas aumenta o risco de desenvolver diferentes tipos de câncer como boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino (cólon e reto) e mama. Para a prevenção de câncer não há níveis seguros de ingestão.
Essa recomendação serve para todas as bebidas alcoólicas. Além disso, a combinação de álcool com tabaco aumenta a possibilidade do surgimento desse grupo de doenças.
O álcool pode provocar o aparecimento do câncer por diferentes mecanismos. Estes variam de acordo com o tipo de câncer associado. Os mecanismos envolvidos podem danificar diretamente o DNA das células, provocar estresse oxidativo que pode danificar os genes, facilitar a penetração de carcinogênicos ambientais nas células, alterar o metabolismo hormonal, provocar má nutrição que torna os tecidos humanos mais sensíveis aos efeitos do álcool, entre outros menos frequentes.
É importante destacar que há uma evidente relação dose-resposta entre o consumo de bebidas alcoólicas e o risco de câncer. Ou seja, quanto maior a dose ingerida e o tempo de exposição, maior será o risco de desenvolver os tipos de cânceres já citados.
O que diz novo estudo publicado em julho de 2021
Um estudo, publicado na revista The Lancet Oncology no dia 13 de julho, indica que 4% dos novos casos de câncer em 2020 estão associados ao consumo de álcool. A incidência é maior em homens (76% dos casos), que foram diagnosticados principalmente com câncer de esôfago, fígado, mama, colorretal, boca e garganta.
Do total global de casos de câncer associados ao consumo de álcool, 39% ou 291 mil foram diagnosticados em pessoas que bebem de 20g a 60g por dia, o correspondente a duas e seis doses. Os maiores índices foram registrados na Ásia Oriental (5,7% do dado global) e Europa Central e Oriental (5,6%). Os mais baixos são os do norte da África (0,3%) e Ásia Ocidental (0,7%).
Para aqueles que consumiam mais de seis doses, o registro foi de 47% do total de novos diagnósticos de câncer. Mesmo as doses moderadas são preocupantes — esse nível de consumo representou 14% do total, ou 103.100 casos.
Os pesquisadores analisaram os dados disponíveis sobre a ingestão de bebidas alcoólicas pela população em 2010 e sobre casos de câncer em 2020. O período de 10 anos entre o consumo de álcool e o aparecimento do câncer se deve ao fato de que os tipos de câncer estudados – boca e lábios, laringe e mama (entre mulheres) – demoram longos períodos para se desenvolver e têm relação causal com o consumo de álcool.
Dos 741.300 novos casos de câncer relacionados ao álcool diagnosticados no ano passado, 568.700 foram em homens e 172.600 em mulheres. A maioria estava no esôfago, fígado e seios.
Quase 47% dos cânceres atribuídos ao álcool estavam relacionados ao consumo excessivo de bebidas, que os autores definiram como 60 ou mais gramas de álcool etílico (o álcool encontrado nas bebidas alcoólicas), ou mais de seis drinques por dia.
O consumo de 20 a 60 gramas (duas a seis doses) de bebida alcoólica por dia, o que os autores definiram como “consumo de risco”, representou 39,4% dos casos de câncer atribuíveis ao álcool.
Beber moderadamente (ingerir 20 gramas ou menos, ou até dois drinques, por dia) contribuiu com quase 14% dos casos. E as taxas mais altas de câncer relacionadas ao álcool ocorreram entre homens que bebiam de 30 a 50 gramas de álcool etílico por dia e em mulheres que consumiam de 10 a 30 gramas por dia.
Este estudo forneceu estimativas atualizadas da carga global de câncer atribuível ao consumo de álcool estratificado por sexo, local do câncer e país, usando estimativas de incidência de câncer do banco de dados GLOBOCAN 2020 da Agência Internacional para Pesquisa do Câncer e dados sobre padrões de consumo de álcool em todo o mundo do Sistema Global de Informações sobre Álcool e Saúde.
Foram também quantificadas a contribuição de diferentes níveis de ingestão de álcool para a carga de câncer atribuível ao álcool.
O consumo de álcool causa uma carga substancial de câncer em todo o mundo e há grandes disparidades entre as populações.
O estudo tem uma série de limitações como, por exemplo, as estimativas de incidência de câncer para 2020 usadas não levaram em consideração as mudanças no relato de câncer devido a interrupções de atendimento pelos sistemas de saúde em decorrência da pandemia de COVID 19, pandemia esta que também pode ter afetado o consumo total de álcool pelos indivíduos.
No entanto, quaisquer mudanças nos padrões de consumo de álcool entre os indivíduos ainda não são evidentes para as taxas atuais de câncer, mas podem se refletir nas próximas décadas.
Em resumo, o estudo mostrou que o uso de álcool causa uma carga substancial de câncer, carga esta que poderia ser evitada por meio de políticas econômicas e intervenções para aumentar a conscientização sobre o risco do uso de bebidas alcoólicas e diminuir o consumo geral de álcool.
Há pouca consciência da ligação entre o álcool e o risco de câncer entre o público em geral, mas adicionar advertências sobre câncer aos rótulos de álcool, semelhantes às usadas em produtos de tabaco, pode impedir as pessoas de comprar produtos alcoólicos e aumentar a consciência da relação causal com a doença, que poderia então conferir maior apoio público às políticas de álcool.
A OMS desenvolveu sua lista das chamadas melhores compras para combater doenças não transmissíveis e, para o álcool, elas envolvem políticas para aumentar a tributação, limitar a disponibilidade de compra e reduzir a comercialização de marcas de álcool ao público.
No entanto, a implementação efetiva depende da aplicação e regulamentação – processos que nem sempre estão disponíveis em ambientes de baixa ou média renda. Em tais ambientes, também há escassez de pesquisas sobre políticas eficazes de álcool: por exemplo, nas regiões da África subsaariana, onde o consumo excessivo de álcool teve a maior contribuição para os casos atribuíveis ao álcool, apenas 16 dos 46 países têm estratégias nacionais ou subnacionais para o álcool.
Um bom entendimento do contexto local é essencial para a implementação bem-sucedida de políticas e é fundamental para reduzir a carga de câncer atribuível ao álcool.
Acesse o estudo na íntegra: https://www.thelancet.com/journals/lanonc/article/PIIS1470-2045(21)00279-5/fulltext
Fontes consultadas:
National Cancer Institute at the National Institutes of Health
INCA – Instituto Nacional de Câncer