A Justiça Terapêutica é uma medida complementar, cujo intuito é ajudar o usuário, tanto aquele que já tem consciência do mal que a droga o faz, quanto aos que, ainda, não conseguiram ter essa noção.
Um assunto ainda muito difícil de ser tratado e abordado é o consumo de drogas que ocorre, não só no Brasil, mas em todo o mundo. O uso problemático de substâncias não escolhe sexo, idade ou classe social e tem afligido diversas famílias.
Analisando o cenário do uso problemático de substâncias, podemos perceber o quanto ele leva o usuário, muitas vezes, a atitudes violentas e a condutas repressivas, sobretudo relacionadas às comunidades de maior vulnerabilidade social.
Para poder manter o uso, o dependente pode recorrer a atos ilícitos como furtos, a princípio de sua própria família, no interior de sua residência. A quantidade e formas de crime tendem a evoluir com o aumento da dependência, num ciclo vicioso.
Quando a família se dá conta e começa a reprimir o usuário, ele passa a furtar em outras casas e parte para a criminalidade na rua.
O Brasil tem lidado com essa questão das drogas e dos crimes relacionados a elas de forma repressiva e punitiva, na maior parte das vezes, sem conseguir alcançar os resultados almejados e, desta forma, contribuindo com o ciclo vicioso que envolve o uso, compra e venda de drogas.
A OMS – Organização Mundial de Saúde, em 1964, reconheceu que o uso abusivo de substâncias – lícitas e ilícitas – é uma doença crônica e não apenas um vício ou habituação, já que o dependente sofre modificações clínicas em seu funcionamento cerebral e, com isso, não consegue controlar o desenvolvimento de sua escolha.
Sendo assim, se os usuários não forem devidamente tratados em sua dependência, irão continuar cometendo outras atrocidades para manter seu vício.
Os crimes produzidos em virtude da dependência em drogas prejudicam toda a sociedade, o usuário e sua família de forma muito clara. Além dos danos ao próprio usuário e à sociedade, é preciso considerar que a situação dos presídios no Brasil é crítica e que não é possível vislumbrar ainda uma solução que seja satisfatória para o futuro.
Neste contexto, a Justiça Terapêutica surge como uma solução. Ela não prima pela exclusão da aplicação da pena privativa de liberdade ou da restritiva de direitos, tratando-se de medida complementar, cujo intuito é ajudar o usuário, tanto aquele que já tem consciência do mal que a droga o faz, quanto aos que, ainda, não conseguiram ter essa noção.
Para falar sobre esse assunto, o 7º Congresso Internacional Freemind 2022 apresentou o painel intitulado “Impacto do abuso de álcool e outras drogas no Sistema de Justiça, Prevenção Indicada e Justiça Terapêutica”.
O moderador deste painel e grande parceiro do Freemind e da ISSUP Brasil, Dr. Mário Sérgio Sobrinho, é Procurador de Justiça e trabalha no Ministério Público do Estado de São Paulo há mais de 30 anos, sendo que deste período, nos últimos 20 anos tem tido a oportunidade de trabalhar com questões ligadas ao álcool e outras drogas de forma indireta, estimulando, apoiando e ajudando colegas promotores, juízes e advogados a se dedicarem a assuntos ligados à justiça e pessoas que estão no sistema de justiça que tem problemas com uso de substâncias.
Ele nos explica um pouco sobre o que é a Justiça Terapêutica.
Programa Justiça Terapêutica – reestruturação da pessoa
Mais do que uma medida alternativa, o programa Justiça terapêutica é uma oportunidade para reflexão sobre abuso de substâncias químicas e o efeito delas na vida da pessoa e familiares e de resgate da dignidade.
Quais os benefícios?
Devida atenção ao problema de abuso de álcool e outras drogas e encerrar o processo com a justiça por meio de uma medida alternativa.
E como funciona a Justiça Terapêutica?
O primeiro passo é o consenso entre promotor, juiz e advogado na análise de crimes de menor potencial ofensivo que foram praticados em decorrência do abuso de álcool e outras drogas e a identificação de infratores que se encaixem no perfil do programa.
Para conhecer o sistema e propor a melhor forma de inserção do infrator no programa, o passo seguinte é conversar com os profissionais da saúde e voluntários de grupos de ajuda, entre eles: Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, AME Vila Maria, Al-Anon, Nar-Anon, Associação Antialcoólica de São Paulo e Amor-Exigente.
No momento de apresentar a proposta, é importante a presença de familiares; assim, todos se beneficiam das informações técnicas e relatos pessoais sobre os impactos causados pelo abuso de álcool e outras drogas.
A adesão ao programa não é obrigatória; depois de receber todas as informações e orientações, o infrator pode optar pela adesão ao programa ou seguir respondendo às medidas legais cabíveis.
Aceitar a proposta é assumir um compromisso: seguir as medidas pactuadas sob fiscalização do Ministério Público e ser acompanhado pelos profissionais da área da saúde e voluntários de grupos de mútua ajuda.
Caso o infrator desista do programa, os profissionais da área jurídica procurarão ouvi-lo pessoalmente e conhecer a opinião dos técnicos e voluntários da Saúde sobre eventual necessidade de outro tipo de cuidado e atenção; os promotores de Justiça sempre adotarão todas as medidas legais que o caso exigir.
Após o término do atendimento determinado, o promotor de justiça se manifesta quanto à extinção de punibilidade e o juiz providencia a anotação do encerramento do caso no sistema.
O programa Justiça Terapêutica tem se mostrado uma excelente alternativa oferecida aos autores de crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando que encarem os problemas relacionados ao abuso do álcool e outras drogas.
O resultado?
Resgatar a dignidade e promover um novo estilo de vida.
Dados
No site da UNODC – Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime – é possível encontrar uma referência muito importante que cita que pelo menos 20% das pessoas que estão no sistema prisional são pessoas que têm problemas de uso de drogas e também destaca que o crescimento do uso de drogas entre pessoas que estão no sistema prisional é mais significativo e mais forte do que na população em geral.
O Brasil ainda não conseguiu dar passos efetivos e firmes nessa área, mas certamente organismos internacionais como a UNODC e o NIDA – Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos – reconhecem que tanto a justiça, como a família e o empregador podem ser agentes que reforcem o ingresso e a manutenção das pessoas em tratamento.
Anotações do Conselho Nacional de Justiça de 2012 – praticamente dez anos atrás – mostravam que 75% dos adolescentes que estavam em cumprimento de medida socioeducativa de internação afirmavam ter problemas com drogas e fazer uso de substâncias psicoativas, sendo a maconha, cocaína e crack as drogas mais citadas.
Justiça Terapêutica e Prevenção
A prevenção pode ser dividida em três tipos: prevenção universal, seletiva e indicada.
Dr. Mário Sérgio cita que a Justiça Terapêutica se encaixa como uma prevenção indicada, já que a prevenção indicada é aquela que se destina a grupos de pessoas que já tem comportamento de risco detectado.
Por meio da Justiça Terapêutica, podemos considerar como ações preventivas aquelas intervenções da justiça que podem levar o indivíduo que se envolveu em algum tipo de infração ou crime devido ao uso de substâncias a uma referência e a reforçar nele a necessidade de buscar cuidado com a sua saúde e, eventualmente, se for o caso, buscar por vias próprias ou com apoio da Justiça, um tratamento que não seja de internação – um tratamento ambulatorial ou ainda um grupo de mútuo ajuda – para que ele possa ser apoiado.
Quer saber mais sobre o que disse o Dr. Mário Sérgio? Assista na íntegra a palestra no YouTube do Freemind em português ou em inglês. Também é possível fazer o download de sua apresentação no site do Freemind, na aba Congresso 2022.