Controle do Tabaco: Publicidade e Comercialização de Cigarros Eletrônicos

O tabaco é uma planta originária das Américas, onde já era utilizado por tribos indígenas, sendo desconhecido pelos europeus até 1498.3 A partir daí começa a história do tabagismo.

E por causa do efeito de dependência do elemento nicotina, logo o costume enraizou-se em todas as raças e idades, pelo simples espírito da imitação, mesmo que causasse danos a saúde. Socialmente aceito após a Revolução Industrial, foi associado por indução comercial o  hábito de fumar à sedução e ao poder, vez que o exercício da publicidade sem limites criava links com valores como independência, beleza, charme, virilidade e rebeldia com o cigarro.

No entanto, o incremento de estudos levou à verificação de malefícios decorrentes do consumo do tabaco, passando-se a adotar normas restritivas ao seu uso, em especial quanto à sua propaganda, dada a evidência de se demostrar haver no tabagismo uma das maiores causas de mortes evitáveis, exatamente pela reiterada atividade, fator de dependência química.

O médico pneumologista da Rede D’OR, João Gonçalves Pantoja, sustenta que o tabagismo constitui-se em epidemia. “A epidemia do tabaco, segundo ele, é uma das maiores ameaças à saúde pública mundial, matando mais de 7 milhões de pessoas por ano, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mais de 6 milhões dessas mortes se devem ao consumo prolongado do cigarro, ao passo que cerca de 890 mil são resultado da exposição ao fumo passivo”.

Dado o incremento no Brasil de medidas de contenção ou de regulação da publicidade e algumas restrições no uso do tabaco houve a consequente diminuição do consumo.

O Brasil é apontado como modelo para outros países no controle do tabagismo, segundo declaração de Margaret Chan, médica e ex-diretora geral da OMS, na cerimônia dos 10 anos de ratificação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) da OMS, já que “as ações que foram tomadas pelo país na implementação do tratado provaram que pressões internas, econômicas e políticas, podem ser superadas. O resultado é uma redução da prevalência do uso do tabaco no Brasil de 35% no final dos anos 80 para os atuais 11%”.

O efeito restritivo tem levado as indústrias fumigeiras a adotar alternativas tecnológicas visando impedir o arrefecimento do uso, mas antes, sob a motivação de diminuição da dependência, a apresentar ao mercado cigarros eletrônicos, dispensando o tabaco, ou cigarros com menos queima, como o Iqos, os chamados cigarros aquecidos. Tais tecnologias, se de um lado não evitam o uso de nicotina, indutor da dependência, tem causado novas doenças pulmonares com mortes, e, o que é interessante: com aumento expressivo do lucro.

É nesse contexto que se examina que o arcabouço legal das restrições normativas sobre publicidade de cigarros se aplicam amplamente aos novos dispositivos chamados de cigarros, com a mesma efetividade da atividade de propaganda do cigarro oriundo do tabaco”.

 

Dispositivo Eletrônico: a denominação de “cigarro eletrônico” está adequada?

A maior vigilância do consumidor, em tempos mais recentes, determinador da queda do consumo do cigarro tradicional fez com que a indústria viesse a diversificar a oferta de meios tabagistas, sempre com vistas ao elevado lucro, não com a preocupação de manter o mercado simplesmente, mas de ampliação dos horizontes comerciais, socorrendo-se de inovações tecnológicas, tais como a do cigarro eletrônico, o e-cigarrete, todavia sem abrir mão da dependência química, asseguradora de clientela certeira.

É comum denominar-se tal dispositivo, de “vaporizador” ou vaper. Na essência, tanto o tradicional como o eletrônico podem ser chamados de “cigarros”, de fato. O cigarro eletrônico dispensa tabaco, mas não necessariamente a nicotina.

O cigarro eletrônico é constituído de um aparelho alimentado por bateria de lítio recarregável. Aparentemente, conta com uma ponteira, funcionando como uma piteira e, na parte interna, um tanque onde é inserido o líquido, quase sempre composto de propilenoglicol, glicerina vegetal, água, nicotina e, opcionalmente, aromatizantes – os compostos e as concentrações variam de fabricante para fabricante. Ainda, de uma bateria, um chip ou placa de controle e um atomizador, pelo qual o fluído é transformado em átomos que se expandem em forma de vapor.

Diferentemente do cigarro tradicional, não ocorre a queima de tabaco que produz milhares de substâncias tóxicas e cancerígenas, tanto para o fumante ativo quanto para o fumante passivo, entre eles o monóxido de carbono (fator de risco para infarto) e os alcaloides do alcatrão (agentes cancerígenos).

O fato da fumaça no cigarro tradicional originar-se da queima e o vapor no eletrônico ser produzido por dispositivo nebulizador, e ambos serem inalados, circulando pelo sistema respiratório, a partir do qual é expelida a fumaça ou o vapor com a característica esbranquiçada, dá o efeito de “cigarro”. Aos dois sistemas, a nicotina proporciona vício ou dependência. Mas o alcatrão ocasionado pela queima do tabaco no cigarro tradicional causa malefícios aos pulmões e a doenças várias, principalmente o câncer.

Pois bem, pelo cigarro eletrônico, com a utilização de substâncias “flavorizantes” e que gera a vaporização, tem-se já evidências de danos sérios à saúde. O incremento do mercado de cigarros eletrônicos é muito forte, superando as fábricas tradicionais de cigarros comuns. Só para referir, a Jull Labs nos EUA já vale US$16 bilhões, com crescimento de 700 (setecentos) por cento no primeiro trimestre do ano passado, em relação ao anterior, e detém cerca de 60% do mercado de cigarros eletrônicos.

Em relação aos males que o e-cigarrete vem causando, muito recentemente, nos Estados Unidos, que não possui proibição expressa, já foram registrados mais de 450 casos em 33 Estados americanos nos últimos meses uma grave e misteriosa doença pulmonar ligada ao uso de e-cigarretes (com nicotina e THC-tetra-hidrocanabinol, componente psicoativo da maconha), com 6 mortes confirmadas.

De acordo com a médica epidemiologista chefe do Departamento de Saúde Pública de Illinois, Estado onde surgiu o primeiro relato da doença, em artigo na revista científica The New England Journal of Medicine, “todos os pacientes e/ou vítimas tinham histórico de uso de cigarros eletrônicos e produtos relacionados no período de 90 dias antes do surgimento dos sintomas”. Agora denominou-se a doença oriunda do cigarro eletrônico de “EVALI. A sigla, em inglês, representa “E-cigarette or Vaping product useAssociated Lung Injury”, ou lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico ou produto para vapear.”

 

Cigarros aquecidos – IQOS

 

A Philip Morris, que segundo artigo da Revista Exame , quer diversificar sua produção, sob o pretexto da redução de danos pelo uso do tabaco, fato que admite ser nocivo, atira-se na produção de dispositivos que afastem a combustão de matéria orgânica. Assim, tem o objetivo de “gerar o contato com a nicotina do tabaco sem a necessidade de queimá-lo”. Lança no mercado o chamado Iqos, sigla de I Quit Original Smoking (eu deixei de fumar o cigarro original), cujo produto constitui-se em cigarro, que utiliza tabaco sem operar combustão.

De acordo com a Philip Morris International, o Iqos é um aparelho que aquece o tabaco o suficiente para liberar um vapor contendo nicotina, sem que haja a queima do tabaco. Afirma que como o tabaco é aquecido a temperaturas muito mais baixas (até 350 °C) que a queima de um cigarro convencional (que podem ser a superiores 600 °C) e que os níveis de produtos químicos nocivos são significativamente menores em comparação com a fumaça do cigarro.

A estratégia de marketing da empresa é fazer parecer que o produto possa ajudar as pessoas a parar de fumar. No entanto, apenas alterou a aparência dos cigarros convencionais, vez que a nicotina e outros componentes prejudiciais continuam lá.

Em estudo publicado em 2017, identificou-se a presença de monóxido de carbono, de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e de compostos orgânicos voláteis. Os autores do estudo relataram que, apesar das substâncias tóxicas encontradas em menor concentração em comparação aos cigarros convencionais, ainda sim apresentam risco a saúde. O estudo informou ainda, que a fumaça do IQOS possuía 84% da nicotina encontrada na fumaça de cigarro convencional.

Cabe destacar ainda, que para especialistas portugueses, o uso dos cigarros aquecidos permite imitar o comportamento dos fumantes de cigarro convencional, por isso, há “o risco de os fumadores alterarem o seu consumo para estes novos produtos em vez de tentarem parar de fumar”. Pior, quem fuma, corre ainda o risco de somar um novo vício ao tabaco convencional, alternando o consumo entre os dois. E, ainda, se não fuma pode ter a “tentação” de fumar, e isto também se aplica a menores de idade, que podem considerar o uso do tabaco aquecido no início de hábitos tabágicos.

Portanto, o nome dado ao produto “Iqos – eu deixei de fumar o cigarro original”, não se mostra adequado, uma vez que é capaz de introduzir as pessoas a um novo vício, a chamada prática “dual”.

 

 O tradicional “narguilé”

 

O narguilé foi inventado na Índia pelo médico Hakim Abul Fath, no reinado do Imperador Akbar, como um método de usar o tabaco que pretendia ser menos prejudicial que os cigarros convencionais. O narguilé é um dispositivo para fumar que inclui um fornilho (no qual é colocado o tabaco), um corpo, um vaso para água e uma mangueira e uma boca. Não se confundem com os dispositivos eletrônicos, pois nestes não há a combustão de carvão.

Em geral se usa com tabaco e se utiliza de carvão. Pode ser utilizado sem tabaco, com outras ervas. Mas, independentemente, a queima do carvão também causa danos aos pulmões dos usuários, haja vista a ingestão de resíduos tóxicos.

Os efeitos do uso do cachimbo denominado narguilé, são similares aos mesmos dos cigarros tradicionais com potenciais agravantes à saúde. O Ministério da Saúde reporta que a Organização Mundial da Saúde, uma sessão de narguilé com duração de 20 a 80 minutos pode corresponder à exposição aos componentes tóxicos presentes na fumaça de 100 a 200 cigarros. Além dos malefícios causados pela fumaça, o compartilhamento do narguilé com outros usuários pode expor o fumante a alguns riscos particulares, como o de contrair doenças infecciosas como herpes, hepatites virais e tuberculose.

 

Conclusões:

A lei trata da restrição à propaganda de qualquer produto fumígeno, derivado ou não do tabaco. Portanto, é abrangente. Ocorre aqui o fenômeno do diálogo positivo das fontes, ou seja, à publicidade de todas as modalidades de cigarros está já regulada na forma da lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996 (com as alterações que se seguiram).

Aos chamados cigarros eletrônicos, a cuja categoria se inclui o Iqos, há expressa proibição de “comercialização, importação e propaganda” por força da RDC 46/2009 da Anvisa. Portanto, a estes soma-se a proibição de comercialização e distribuição. Em diálogo das fontes entre a lei e a Resolução, uma vez que as normas não se excluem, antes se completam, a normativa da Anvisa aos eletrônicos proíbe a publicidade, não meramente a regula ou restringe.

 

Leia na íntegra este estudo em: Controle do Tabaco

*Artigo elaborado com base em palestra realizada pelo Procurador de Justiça Ciro Expedito Scheraiber, no XIX Congresso Nacional do Ministério Público do Consumidor, da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor em Maceió/AL, no dia 30 de agosto de 2019.