Dr. Hermano Tavares, foi o entrevistado da “Live com Especialistas”do dia 27 de abril que trouxe à pauta o seguinte tema: “Dependência digital em tempos de isolamento social”.
Dr. Hermano é graduado em medicina e com doutorado em psiquiatria pela universidade de são Paulo, pós-graduado em Jogo Patológico na Universidade de Calgary no Canadá e pós-doutorado em Psicofarmacologia. Fundou e coordena o programa ambulatorial de jogo patológico, programa ambulatorial integrado dos transtornos de impulso, o programa de psiquiatria e saúde mental comunitária do Instituto de Psiquiatria da USP. Seus principais campos de atuação acadêmicos são: saúde mental, saúde pública e dependências, transtorno do jogo, transtorno de controle do impulsividade e personalidade.
A Live completa está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZAH60PliMOo
Segue abaixo um resumo deste bate-papo muito interessante e esclarecedor:
O primeiro computador pessoal surgiu na década de 80. De lá para cá, o videogame caseiro se popularizou, mas a realidade tornou-se totalmente nova com o advento da internet no começo dos anos 90.
Quando pensamos no uso das ferramentas digitais, temos que considerar 2 públicos e 3 cenários:
Públicos
– Os chamados “migrantes digitais” são aqueles que vem de uma época em que se usava “orelhão com fichas” para uma ligação telefônica, mandava mensagem por fax (no lugar dos e-mails) e tinha um “pager” par receber mensagens instantâneas (já ouviu falar dessas coisas?)
– Outro público é o dos “nativos digitais” que são as pessoas que nasceram quando a internet já era uma realidade e que, praticamente, já nasceram conectados.
Cenários
– Consumidores ávidos por informação e entretenimento – surgiu quando apareceu a internet: ficam “browseando” na internet, navegam infinitamente e perdem o controle da passagem do tempo;
– Jogadores de videogame online – o videogame, quando era off-line já era problemático; agora, com a chamada convergência de mídias, ficou ainda mais complicado. Alguns jogos online são estruturados e montados de uma forma muito inteligente para estimular a participação contínua. Então, se você monta um time internacional, com participantes de várias partes do mundo, é possível “passar o bastão de um para o outro” e, com isso jogar por 24 horas contínuas;
– Dependentes da internet como um veículo – por exemplo, dependentes de pornografia que buscam este tipo de conteúdo na internet ou dependentes de apostas de jogo de azar que podem jogar 24 horas por dia sem sair de casa ou compradores compulsivos que podem fazer compras online sem limite. Nesses casos, a internet é o veículo da dependência. É como o usuário de drogas injetáveis, que necessita da seringa (veículo) para sustentar a sua dependência.
Então, como diferenciar uma pessoa dependente digital de uma que usa os recursos digitais como uma ferramenta de entretenimento ou como ferramenta de trabalho?
Coisas comuns a qualquer dependência são a perda de controle, o consequente exagero e, na sequência, uma série de adaptações e ajustes que a pessoa precisa realizar para conviver com essa dependência. Todas essas atitudes geram consequências negativas, mas a pessoa persiste no comportamento, apesar disso.
Algumas consequências negativas deste tipo de comportamento podem ser: prejuízo com as relações pessoais, perda de produtividade e de funcionalidade em ambientes de trabalho e prejuízo da saúde física devido ao sedentarismo.
Outro fator que podemos avaliar para verificar se estamos tratando de uma dependência ou não é o tempo de horas que são dedicados ao uso desses recursos: o não dependente costuma passar, no máximo, 12 horas semanais conectados. Já os dependentes dedicam, em média, 40 horas semanais (que é praticamente um trabalho em tempo integral, não é mesmo?).
Também pode-se avaliar a dependência através das atividades do indivíduo: o não dependente, em geral, faz consultas normais na internet como, por exemplo: alguma notícia específica, algum lugar ou restaurante, etc. Já o dependente, tem preferência por passar o tempo em jogos e em redes sociais.
Mas é muito importante não “demonizar” a internet e as redes sociais. O ideal é que fosse feita uma revisão nas redes sociais e torna-las redes que promovam a solidariedade, a compaixão, o acesso amplo e democrático a informações de qualidade.
Temos visto muito isso neste período de pandemia e isolamento social. E, que bom que temos a internet e as redes sociais neste período de confinamento. Com esses recursos, alguns de nós podem continuar trabalhando em home office, podemos fazer compras online e visitar pessoas queridas que estão afastadas por segurança.
Então, não adianta culpar ou condenar a ferramenta: tem que entender qual é a mão que segura a ferramenta. Se a mão que segura faz dela o uso apropriado, a ferramenta é maravilhosa. Se a mão que segura prejudica a si mesma ou a terceiros, é preciso repensar a ferramenta.
Em tempos normais, a Associação Internacional de Pediatria pede aos pais que regulem o uso de telas (qualquer tela: TV, smartphone, notebook) dos adolescentes até 18 anos em, no máximo, 3 (três) horas por dia. O cérebro dos adolescentes amadurece de trás para a frente e a última parte que amadurece é o pré-frontal (“o tomador de decisão”), que é “quem toma a decisão” pelo tempo gasto na frente de uma tela.
Uma dica importante que podemos deixar aos pais neste período de distanciamento social e intensificação do uso de tecnologias digitais é: acompanhe o que seu filho está fazendo na internet – instale o computador num local de fácil acesso a você e/ou instale programas de controle parental para monitorar os sites que ele visita e quanto tempo passa em cada um.
A sociedade, hoje em dia, está altamente tecnologizada e, tanto nós como nossos filhos precisamos estar atualizados, mas sem descuidar, porque a dependência tecnológica interfere na capacidade de socialização, podendo trazer prejuízos para o presente e para o futuro.
Também precisamos estar atentos à educação que nossos filhos estão recebendo. Quem o está educando? Será que trabalhando de 12 a 14 horas por dia para garantir a melhor escola, o celular mais bacana e uma casa na cobertura eu consigo transmitir para meus filhos a educação e os valores que eu quero? Ou eu o estou deixando ser educado pelas redes sociais, pelos influenciadores digitais, por jogos e grupos de WhatsApp?
Não dá para saber como será o mundo após o final deste isolamento social mas, com certeza, terá sido um desperdício horroroso de tempo de reflexão e de emoção se sairmos dessa dura experiência absolutamente igual ao que entramos. Mas se tivermos conseguido ter uma relação mais equilibrada entre o trabalho e a vida doméstica, se tivermos aprendido a utilizar a ferramenta digital para poder criar um mundo com mais tempo para a reflexão, para o convívio familiar e para reduzirmos o stress (pessoal, social e ambiental), ainda que à custa de muita dor, o sofrimento não terá sido em vão.