O aumento dos cigarros eletrônicos (vapes) e o restabelecimento da nicotina como um vício primário da juventude

No 6º Congresso Internacional Freemind, realizado de 04 a 07 de dezembro de 2019, em Águas de Lindóia/SP – Brasil, contamos com a presença do Dr. William D. Crano, que ocupa a cadeira Oskamp e é professor de psicologia na Divisão de Ciências Comportamentais e Organizacionais da Claremont Graduate University.

Dr. William participou de um Painel cujo tema era “O cigarro comum e novas maneiras de se intoxicar com nicotina” e abordou a questão do aumento dos cigarros eletrônicos (vapes) e o restabelecimento da nicotina como um vício primário da juventude.

Falou sobre os problemas e os perigos envolvidos com o uso do cigarro eletrônico e os vaporizadores e também como a imprensa vem sendo usada para encorajar este tipo de consumo. Fez sugestões de como usar a mesma mídia para um trabalho de prevenção, utilizando os princípios de persuasão.

Apresentou as tendências do uso do tabaco nos EUA, além de apresentar pesquisas atuais e também algumas recomendações de políticas que talvez possam ser úteis para os brasileiros.

Entre os assuntos abordados, podemos destacar o fato de que, hoje, na maioria dos lugares, fumar não é mais visto como algo bonito ou que mostra independência, liberdade e sex appeal.

Nos Estados Unidos, de 1988 até 2014 houve uma queda bastante significativa no tabagismo de cigarros tradicionais. No gráfico abaixo estão dados de adolescentes 14, 15 e 18 anos. Os de 18 anos estão se formando no ensino médio para ir para a universidade ou para entrar no mercado de trabalho. E como se pode ver, ao longo dos anos, as tendências no consumo de tabaco vem caindo a níveis bastante baixos. Mas, por exemplo, 3,6% dos adolescentes de 18 anos (isto aqui para o país todo) ainda fumam. Parece pouco, mas não é! São milhões de pessoas… milhões de adolescentes de 18 anos que ainda fumam.

Isto fez com que as indústrias de tabaco buscassem novos meios, novos caminhos e novos produtos e elas têm feito um esforço combinado para trazer esses jovens para o consumo de tabaco. Surgem, então, os e-cigarrettes, cigarros eletrônicos, vaporizadores, vapes, etc… (São vários os nomes).

Investiram pesado em publicidade, criaram sabores e aromas para modificar o gosto de tabaco e o resultado foi que o consumo destes tipos de equipamentos aumentou tanto quanto os investimentos de milhões e milhões de dólares em publicidade.

Com o tempo, o uso de cigarro eletrônico reverteu a tendência de queda no uso de tabaco. Enquanto o uso de cigarros diminuiu devagar ao longo do tempo, o uso de cigarros eletrônicos subiu muito rápido.

Nos EUA é realmente surpreendente como foi rápido esse processo: passou de 11% para 21% em 1 ano, entre alunos do último ano do ensino médio. E é importante lembrar que este consumo continua aumentando.

Os riscos e perigos do uso deste tipo de equipamentos são imensos e podemos citar alguns:

  • A altas temperaturas, muitos dos sabores utilizados são comprovadamente carcinogênicos;
  • Com o uso cada vez maior por adolescentes que tem pouco dinheiro, o uso de produtos importados ou manufaturados nas próprias casas tem sido frequente. Estes produtos não têm nenhum controle de qualidade e estão relacionados a mortes e doenças;
  • Não é possível saber o impacto desses inalantes a longo prazo;
  • Durante uma sessão de uso de vaporizadores, vários produtos químicos como formaldeído e outros são retidos pelas nossas vias respiratórias;
  • Muitos jovens estão ficando completamente viciados nisso, acordando no meio da noite para dar uma baforada;
  • A nicotina é muito viciante, mas para os jovens é pior ainda. Nos últimos anos do ensino médio, eles têm 2,16 vezes mais chance de ficarem viciados.

Precisamos utilizar a mídia para combater o tabagismo e as novas formas de consumo. É possível e tem sido bem-sucedidas estas campanhas antitabagismo que utilizam as mesmas mídias empregadas pelas empresas de tabaco CONTRA ELAS! Isto funcionou para os cigarros tradicionais e tem sido usado em campanhas para os cigarros eletrônicos.

O argumento de que que usar o cigarro eletrônico para cortar o cigarro tradicional não é verdadeiro e é preciso mostrar isso às pessoas para que não se enganem com este tipo de argumento.

É preciso combinar técnicas antigas com técnicas novas e desenvolver técnicas de persuasão preventiva, baseados em evidências. Mostrar que usar nicotina não é ser rebelde, não é ser descolado, não é ser independente. Na verdade, a mídia precisa ser usada para mostrar o quanto as pessoas estão sendo manipuladas, influenciadas. Uma das estratégias é mostrar pessoas não atraentes fumando com o vaporizador, em vez de mostrar uma pessoa bonita. E, com isso, se faz um contra-ataque. Isso é o que é feito nos EUA e é preciso determinar o que pode e deve ser feito aqui no Brasil ou em outros países, de acordo com a realidade de cada um mas, em linhas gerais, são os mesmos critérios para todos os países.

Nos EUA tem um Currículo de Prevenção Mundial criado com muito custo. Os princípios deste programa foram financiados pela ONU e pelo Departamento de Estado Americano. Depois do projeto inicial e após as normas e padrões serem estabelecidos pela ONU, quase todo país membro da ONU adotou este programa e o Departamento de Estado Americano resolveu criar um Currículo para ensinar as pessoas como transformar aquelas normas e padrões em realidade.

Estes padrões estão hoje disponíveis para aplicação na forma de campanhas. Um bom ponto de partida inclui treinamento, e capacitação em prevenção.

Numa pesquisa com 29 escolas na Califórnia, escolas de ensino médio alternativas para jovens que estavam tendo problemas com escolas normais: alunos problemáticos, alunos briguentos ou alunos com uso de substâncias, ou seja, escolas especiais para alunos que já tem algum tipo de problema e que já estão realmente em uma situação de risco e um risco muito mais alto para o uso de substâncias psicoativas e problemas de saúde em geral do que os jovens que estavam indo para as escolas normais.

Os jovens foram acompanhados por 3 anos. Inicialmente eram 1.000 e no fim do último ano eram 859. Alguns desses alunos saíram da escola, outros se mudaram, alguns foram para o exército, outros foram presos e alguns até morreram.

Com base nos dados obtidos, ficou claro que a vaporização é uma ameaça bastante perigosa. Mostrou que o uso de vaporizadores está ligado ao uso de cigarros normais e maconha, o que é muito problemático para jovens, principalmente porque alguns não conseguem comprar os fluidos originais e compram nas ruas ou de caras que fizeram na garagem de casa, sem nenhuma origem controlada.

Então, porque permitimos que as empresas de tabaco lancem sua nova onda de morte e doença? Já passamos por isso no passado com o tabaco. Estas empresas foram derrotadas depois de anos de luta, mas sabíamos elas não iam desistir. Elas estão voltando com novos produtos, novas ideias.

Será que temos que pressionar os nossos legisladores para proibir este tipo de comportamento? Não só o equipamento, mas também o comportamento, porque aqui no Brasil, por exemplo, é o comportamento que causa problema. Não dá para comprar o cigarro eletrônico em qualquer lugar, mas de algum jeito as pessoas estão comprando e então o problema é o comportamento.

Será que a gente tem que perseguir as lojas que vendem esses produtos? Será que proibir adianta? Será que temos que impor penalidades ao fumo? Hoje é possível entrar na internet, comprar pelo site e receber em casa estes produtos e equipamentos. Porque isso é possível? Porque a gente permite que isso aconteça?

Quando pensamos em nossa luta, em nosso objetivo, precisamos considerar isso. Precisamos pensar no valor de nossos jovens. Quanto valem nossos jovens e suas vidas? Será que vale a pena lutar pela vida de nossos jovens? É isto que temos que ter em mente o tempo todo!