Risco é uma consequência da livre e consciente decisão de se expor a uma situação na qual se busca a realização de um bem ou de um desejo, em cujo percurso se inclui a possibilidade de perda ou ferimento físico, material ou psicológico. A expressão consagrada fatores de risco designa condições ou variáveis associadas à possibilidade de ocorrência de resultados negativos para a saúde, o bem-estar e o desempenho social. Alguns desses fatores se referem a características dos indivíduos; outros, ao seu meio microssocial e outros, ainda, a condições estruturais e socioculturais mais amplas, mas, geralmente, estão combinados quando uma situação considerada social, intrapsíquica e biologicamente perigosa se concretiza. Por exemplo, no caso do uso de drogas: ao fumar maconha, o adolescente pode aumentar a probabilidade de desenvolver uma doença pulmonar, e também sofrer consequências psicossociais ou sanções legais, conflitos com os pais, perda de interesse na escola ou culpa e ansiedade.
Sobretudo quando se trabalha com adolescentes, o conceito de risco tal como visto pela epidemiologia não é suficiente, uma vez que nessa ótica é entendido, apenas, segundo suas consequências negativas. No exemplo dado acima, está claro que um adolescente que usa maconha, em princípio, busca prazer e não dor e sofrimento. Em geral está à cata de extroversão, prazer, novas sensações, compartilhamento grupal, diferenciação, autonomia e independência em relação à família, dentre outros efeitos. E nessa procura faz um cálculo do perigo a que se expõe. Os profissionais que atuam na prevenção precisam saber desse outro lado da questão, sob pena de não desenvolverem uma compreensão suficientemente ampla e profunda do fenômeno do uso de drogas.
O lado negativo do desejo juvenil de obter prazer com o uso de drogas é o risco que ele corre de se tornar dependente e comprometer a realização de tarefas normais do desenvolvimento; o cumprimento dos papéis sociais esperados; a aquisição de habilidades essenciais; a realização de um sentido de adequação e competência e a preparação apropriada para a transição ao próximo estágio na trajetória da vida: o adulto jovem. O termo comportamento de risco aqui, portanto, se refere às ameaças ao desenvolvimento bem-sucedido do adolescente.
Uma preocupação básica da educação para a saúde seria, pois, discutir com os adolescentes os riscos associados aos comportamentos nos quais se engajam, mas tendo o cuidado de não desconhecer o lado prazeroso desse engajamento. A necessidade de se olhar os dois lados, o do desejo e o do dano, no caso do uso de drogas, leva a considerar alguns aspectos citados a seguir:
(1) Um deles diz respeito aos efeitos cumulativos das substâncias tóxicas e sua relação com a vulnerabilidade do indivíduo. De um lado sabe-se que a probabilidade de desenvolvimento de determinado distúrbio aumenta em função do número, da duração e da “toxicidade” dos fatores de risco envolvidos. Por isso, quanto mais intenso o uso de drogas, mais fatores de risco há.
(2) Um segundo aspecto importante a ser considerado é o que se refere ao risco que constitui a atitude positiva da família com relação ao uso de drogas, reforçando a iniciação dos jovens. Hoje se sabe que as relações familiares constituem um dos fatores mais relevantes a ser considerado, mas de forma combinada com outros. Por exemplo, Schor (1996) aponta que não há uma relação linear entre o abuso de álcool dos pais e de seus filhos. Sugere que os padrões de comportamento dos pais e as interações familiares, e não só o fato de eles beberem, são em boa parte responsáveis pelas atitudes dos filhos. O alcoolismo tem uma influência destrutiva no funcionamento familiar e essa disfunção desempenha um papel mediador na transmissão intergeracional de comportamentos. Mas, o que está em questão não é a droga em si, e sim, a relação que o indivíduo estabelece com ela, que, por sua vez, influencia e é influenciada fortemente pelo universo de interações. Embora o consumo de drogas pelos pais esteja relacionado a maior risco de os filhos se tornarem usuários, uma vez que o comportamento parental lhes serve de modelo, é a atitude permissiva dos genitores o que mais pesa nessa equação. Estudos têm mostrado que os fatores parentais de risco para o uso de drogas pelo adolescente incluem, de forma combinada: (a) ausência de investimento nos vínculos que unem pais e filhos; (b) envolvimento materno insuficiente; (c) práticas disciplinares inconsistentes ou coercitivas; (d) excessiva permissividade, dificuldades de estabelecer limites aos comportamentos infantis e juvenis e tendência à superproteção; (e) educação autoritária associada a pouco zelo e pouca afetividade nas relações; (f) monitoramento parental deficiente; (g) aprovação do uso de drogas pelos pais; (h) expectativas incertas com relação à idade apropriada do comportamento infantil; (i) conflitos familiares sem desfecho de negociação.
(3) O envolvimento grupal tem sido visto como um dos maiores prenúncios do uso de substâncias. No entanto, essa relação interpares também precisa ser qualificada. Ela se configura como fator de risco quando os amigos considerados modelo de comportamento demonstram tolerância, aprovação ou consomem drogas. Observam os estudiosos que há uma sintonia, no caso dos pares: os adolescentes que querem começar ou aumentar o uso de drogas procuram colegas com valores e hábitos semelhantes. Ou seja, mesmo no caso de amigos e colegas, a questão não pode ser vista de forma simplista, pois o desenvolvimento de afiliações a pares tolerantes e que aprovam as drogas representa o final de um processo onde fatores individuais, familiares e sociais adversos se combinam de forma a aumentar a probabilidade do uso abusivo. O mito que supervaloriza a influência dos pares durante a adolescência provavelmente decorre, em algum nível, de uma certa desresponsabilização, sobretudo por parte dos pais e dos educadores, de problemas frequentes nas relações intrafamiliares ou institucionais. É muito difícil, portanto, como já se referiu, tomando por base outros fatores, separar e isolar os efeitos que o grupo de pares tem sobre os adolescentes, embora se saiba que seu poder é importante no caso do uso de drogas.
(4) Muito se tem falado também no papel da escola, seja como agente transformador, seja como lócus propiciador do ambiente que exacerba as condições para o uso de drogas. Ninguém desconhece que essa instituição é hoje alvo do assédio de traficantes e repassadores de substâncias proibidas, prevendo-se o aliciamento por pares. Pois a escola é o espaço privilegiado dos encontros e interações entre jovens. No entanto, mesmo no âmbito educacional, existem fatores específicos que predispõem os adolescentes ao uso de drogas, como por exemplo, a falta de motivação para os estudos, o absenteísmo e o mau desempenho escolar; a insuficiência no aproveitamento e a falta de compromisso com o sentido da educação; a intensa vontade de ser independente, combinada com o pouco interesse de investir na realização pessoal; a busca de novidade a qualquer preço e a baixa oposição a situações perigosas; a rebeldia constante associada à dependência a recompensas.
(5) A disponibilidade e a presença de drogas na comunidade de convivência têm sido vistas como facilitadoras do uso de drogas por adolescentes, uma vez que o excesso de oferta naturaliza o acesso. Quando a facilidade da oferta se junta à desorganização social e aos outros elementos predisponentes no âmbito familiar e institucional, produz-se uma sintonia de fatores. A observação sobre esse elemento, privilegiando-o e ao mesmo tempo associando-o aos outros é importante pois permite correlacionar fatos como gravidez precoce e evasão escolar, acidentes de carro, homicídios e suicídios.
(6) Outra tendência muito comum quando se fala de drogas é a absolutização do papel da mídia como fator de risco. É certo que, sobretudo no caso das drogas lícitas, os meios de comunicação geralmente mostram imagens muito favoráveis. O uso do álcool e do tabaco costuma vir associado, por meio da publicidade, a imagens de artistas, ao glamour da sociabilidade e à sexualidade. Frequentemente os anúncios glorificam as substâncias, retratando-as como mediadoras de fama e sucesso. Mas não se pode, teoricamente, demonizar a mídia: de um lado ela reflete e refrata, a cultura vigente. E, de outro, seria um erro menosprezar a capacidade crítica dos jovens e a sinergia de vários outros elementos com os meios de comunicação. Nenhuma propaganda por si só atinge efeito demoníaco de persuasão, quando fatores protetores atuam em direção contrária. O desenvolvimento de um espírito crítico e reflexivo na família, na escola e com os pares serve de base para uma atitude criteriosa do adolescente quanto às mensagens relativas às drogas lícitas, veiculadas pelos meios de comunicação.
Os diversos elementos tratados acima levam a concluir que não se pode pensar os fatores de risco de forma isolada, independente e fragmentada. Determinado fator de risco raramente é específico de um distúrbio único, porque seus contextos formadores tendem a espalhar os efeitos dele derivados sobre uma série de funções adaptadoras ao longo do desenvolvimento. E a exposição ao perigo que potencializa os riscos ocorre de diversas formas e em vários contextos, como por exemplo: exacerbando fatores individuais, educação infantil insatisfatória, fracassos escolares, relações sociais problemáticas entre os pares ou com desorganização da comunidade. Mesmo a mais elevada carga genética é menos provável de se constituir em alto fator de risco numa sociedade na qual a exposição ao álcool seja severamente restrita, comenta Swadi (1999).
A postura unicausal, tão frequente, é responsável por práticas, orientações e criação de instituições inócuas ou nocivas, às quais falta uma lógica compreensiva e sistêmica. Ressaltando a necessidade metodológica de levar em conta a complexidade das formas de adesão ao uso abusivo de drogas na adolescência é relevante pensar que há uma estrutura e uma organização dos diferentes fatores, formando uma síndrome do comportamento de risco, o que remete às premissas do paradigma sistêmico: os comportamentos de risco covariam e estão inter-relacionados. Nessa perspectiva, os esforços preventivos devem visar a modificar as circunstâncias que sustentam tais síndromes: o estilo de vida que sintetiza um padrão organizado de comportamentos inter-relacionados, dentro de uma ecologia social e em relações complexas com distúrbios clínicos.