Crença, comportamento e pertencimento: como a fé e a espiritualidade são indispensáveis na prevenção e recuperação do abuso de substâncias.
O mundo está no meio de uma crise aguda de dependência de álcool e drogas. Medicamentos que salvam vidas e intervenções psicológicas são componentes importantes de resgate e recuperação.
Juntamente com o corpo e a mente, o espírito também é uma parte central do continuum dos cuidados de saúde dos dependentes. Em vários estudos e pesquisas baseados em evidências sobre vício fica claro que religião e espiritualidade – que se pode chamar coletivamente de fé – são recursos excepcionalmente poderosos, integrais e indispensáveis na prevenção e recuperação do abuso de substâncias.
A eficácia da fé inclui não apenas os comportamentos em que as pessoas se envolvem (ou não se envolvem) por causa de sua fé e o apoio que as pessoas encontram no pertencimento às comunidades de fé, mas também às próprias crenças religiosas e espirituais das pessoas.
Mas, o que diferencia religião de espiritualidade?
Numa definição dada por Richard George Burnett, de 2014, “a espiritualidade é definida como uma abertura para Deus, a natureza ou o universo, onde se pode experimentar harmonia com a verdade, sentimentos de amor, esperança e compaixão, inspiração ou iluminação com um senso de significado e propósito na vida, a conexão de um indivíduo com Deus ou o Transcendente. Por outro lado, a religião é vista como a expressão corporativa dessa conexão, onde se medeia seu relacionamento com Deus e a comunidade por meio de um sistema organizado de crenças e práticas”.
Espiritualidade e Prevenção – Projetos para uma vida com sentido
Para falar sobre a questão de como a fé e a espiritualidade são indispensáveis na prevenção e recuperação do abuso de substâncias, o 7º Congresso Internacional Freemind 2022 trouxe vários palestrantes para falar de suas experiências exitosas e que dão um novo sentido à vida de jovens e adultos que sofrem com a dependência química.
Um desses palestrantes foi Francisco José dos Santos, mais conhecido por Dunga, que é cantor, pregador, apresentador e missionário católico há mais de 30 anos. Idealizador do projeto ACREDITE, Dunga já lançou 15 CDs, gravou 3 DVDs e escreveu 5 livros.
Dunga compartilhou com os congressistas do Freemind um pouco de sua experiência pessoal de vida, primeiro como usuário de drogas por 5 anos e depois ao longo dos anos após sua recuperação.
Sua palestra está disponível para ser assistida na íntegra em português e em inglês no YouTube do Freemind.
Veja um pouco do que Dunga falou a respeito da espiritualidade e da prevenção
Dunga relata que ter usado drogas por 5 anos fez parte de uma experiência com dois lados: um lado muito ruim, onde experimentou a quase destruição de seu relacionamento com seus pais, a troca de valores e um período não muito produtivo de sua vida enquanto ainda jovem.
O outro lado, desta vez melhor, se deu quando conseguiu se recuperar e fazer uma mudança significante em sua vida, quando se dedicou a um programa chamado PHN (Por Hoje Não), que se originou de um programa chamado Resgate Já!
Foram 1.099 programas que Dunga comandou. O PHN era um programa semanal que acontecia sempre às terças-feiras e em cada um deles era contada a história de uma pessoa que havia superado as drogas.
Essa experiência de ter ouvido 1.099 pessoas ajudou muito Dunga em sua vida missionária e ele diz o que entende sobre a espiritualidade nesse processo e sobre como a nossa fé é montada dentro de nós.
A maioria de nós acredita que há um PODER que está acima de nós e que nos faz ter fé no invisível, nesse poder superior. Na Igreja Católica, da qual o Dunga participa, esta fé é construída logo cedo, na catequese: nos acostumamos a ir para a missa; a contar nossos pecados para o padre e entender que, de fato, fomos perdoados; nos acostumamos a comungar corpo, sangue, alma e divindade de Jesus na Eucaristia.
Em outras religiões acontece o mesmo, com rituais de acordo com cada crença específica, mas a fé no invisível acontece da mesma forma.
Além disso, existe também a fé no visível, que podemos chamar de VALORES.
Ou seja, crescemos vendo nossos pais batalhando a vida, fazendo contas para sobreviver, cozinhando a comida da semana para virar um banquete e aos poucos vamos montando nossa crença e definindo em nossas vidas nossos valores: deveu, paga; abriu, fecha; sujou, limpa; falar a verdade; cumprir o que se fala…
A base de nossa fé foi formada aos poucos por meio de nossos pais, de nossos catequistas e, sobre essa base construímos toda a nossa esperança: esperança de um filho fora das drogas, esperança de pais que não se separem, esperança de um câncer que vamos vencer, esperança de vencer um vírus HIV, esperança de casa própria, esperança de um salário melhor, esperança de um sonho de infância… todas as nossas esperanças estão baseadas, estão edificadas nesta base, nesse fundamento, que nós fomos montando ao longo da vida.
Quando se entra nas drogas – e quem entrou sabe disso – nós vamos perdendo essa base. E aqui, Dunga nos fala que perder a fé em Jesus Cristo nem é tão grave, porque ela é fácil de recuperar num momento de doença ou na velhice, quando percebemos que o fim se aproxima.
O maior problema quando se entra nas drogas é em relação aos valores: não se perdem os valores – eles são substituídos: tiramos um valor bom e colocamos um ruim. Substituímos o valor da vida pela morte; a honestidade pela desonestidade; a paz pela violência…
O usuário de droga tira um valor e substitui por outro que o faz sobreviver na rua, no dia a dia da drogadição, ao comprar, vender, traficar, ao se humilhar e ao se prostituir por causa da droga.
Quando trabalhamos a espiritualidade com um jovem que está fazendo uso de substâncias e o ensinamos novamente a rezar o básico e a se reconectar com Deus, nós começamos uma reconstrução! Esse jovem começa de novo a tirar os valores ruins e colocar os valores bons no lugar.
Então, rezar não é apenas uma experiência mística: é uma devolução do que perdemos! E começamos a sentir algo muito bom dentro de nossa alma e de nossa mente, porque é aí que nossas lembranças, nossa intuição, nossos pensamentos e nossas marcas do passado estão… é aí onde habita Deus dentro de nós…
Então, fica a pergunta: o que havia em comum entre os 1.099 testemunhos que Dunga ouviu no PHN? E a resposta é que quando eles voltaram o coração para Deus, seus valores voltaram!
E é isso o que é belo nesse processo todo de recuperação: aquela pessoa que antes estava nas drogas, por meio da espiritualidade, começa a fazer um caminho de volta… ela agora tira os valores ruins e volta com os valores que aprendeu lá quando era criança. E então, podemos ver a reconstrução através da espiritualidade… é milagre. Isso é milagre!
E Dunga termina dizendo que numa casa de recuperação, com várias pessoas se recuperando dos dias de drogadição, é possível perceber que essas pessoas trabalham, entre elas, uma no milagre da outra; enquanto cada uma delas está esperando o seu milagre, elas esperam trabalhando no milagre da outra…
E isto é um sistema de cooperação tão bonito e tão maravilhoso que também é levado em conta de espiritualidade… quando se vibra com mais um dia de sobriedade do outro, quando se vibra com a formatura do outro, quando se vibra com um pai e uma mãe que vai visitar seu ente querido, isto tudo está na conta da espiritualidade… são sentimentos que voltam, são valores que voltam, são seres humanos que são reconstruídos!