Especialistas brasileiros se manifestam sobre os casos intoxicação e mortes por dietilenoglicol presentes nas cervejas artesanais brasileiras
Dra. Zila M. Sanchez, Camila L. Oliveira, Dr. Ronaldo Laranjeira e Dr. Raul Caetano tiveram uma Carta ao Editor publicada no Journal of Studies on Alcohol and Drugs, onde falam sobre os casos de intoxicação e mortes por dietilenoglicol presentes nas cervejas artesanais brasileiras.
Leia na íntegra a carta:
Caro editor:
Desde 30 de dezembro de 2019, o Brasil teve diversos casos de intoxicação por ingestão de cerveja (Secretaria de Estado da Saúde, 2020a), a bebida alcoólica mais consumida pelos brasileiros (Organização Mundial da Saúde, 2018). Uma investigação em andamento, coordenada pelo Centro de Informações Estratégicas em Vigilância Sanitária de Minas Gerais (CIEVS-Minas), estado brasileiro onde ocorreu a intoxicação, detectou dietilenoglicol (DEG) em uma marca específica de cerveja artesanal, a “Belorizontina” produzida por Cervejaria Baker, uma pequena empresa fundada em 1999 (Secretaria de Estado de Saúde, 2020a).
O DEG é um líquido inodoro, incolor, viscoso e higroscópico com sabor açucarado e extremamente tóxico (Winek et al., 1978). A substância não é usada na formulação regular de cerveja, mas pode ser aplicada industrialmente em solventes, resinas, anticongelantes, tintas e colas (Snellings et al., 2017). Historicamente, desde 1937, o DEG também esteve envolvido em outros casos de envenenamento em massa em vários países. No entanto, quase todos os casos documentados envolveram a contaminação de preparações farmacêuticas ou medicamentos, a maioria dos quais ocorreram em países de baixa e média renda (Schep et al., 2009).
As vítimas de envenenamento no Brasil apresentavam insuficiência renal aguda, sintomas neurológicos (paralisia facial, embaçamento visual, amaurose, alterações sensoriais, paralisia descendente e convulsões) e sintomas gastrointestinais (náuseas, vômitos e / ou dor abdominal) (Secretaria de Estado de Saúde, 2020a), todos indicadores claros de intoxicação por DEG (Alfred et al., 2005). A primeira morte foi registrada em 8 de janeiro de 2020.
O Brasil é um país com um conjunto limitado de políticas para o álcool, a maioria das quais mal implementada (Organização Mundial da Saúde, 2018). No entanto, a Lei 8.918 / 1994 e o Decreto 6.871 / 2009 orientam a padronização, classificação, registro, produção e fiscalização de bebidas [todos os tipos], atribuindo ao Ministério da Agricultura a responsabilidade da fiscalização da produção de bebidas alcoólicas (MAPA; Brasil, 1994, 2009).
Após um mês de investigação, o MAPA ainda encontra novos lotes de cervejas Backer contaminadas, totalizando 41 lotes (Isto é, 2020), o que levou a empresa a divulgar em seu site a decisão judicial de retirar as cervejas distribuídas e estimular seus clientes a evitarem qualquer consumo do produto recolhido (O Globo, 2020).
Em 5 de fevereiro de 2020, 30 casos suspeitos de intoxicação exógena por DEG foram relatados. Destes, 26 pacientes são do sexo masculino e 4 do feminino. Quatro casos foram confirmados e os 26 restantes ainda estão em investigação, por apresentarem sinais e sintomas compatíveis com intoxicação por DEG e exposição à cerveja. Seis pacientes morreram. Uma dessas mortes foi entre os quatro casos em que foi confirmada a presença da substância DEG no sangue. Todos os casos estão localizados geograficamente em Minas Gerais (Secretaria de Estado de Saúde, 2020a).
Apesar de todas as evidências obtidas durante a investigação, Backer continua afirmando que não utiliza o DEG em nenhuma etapa do processo de fabricação de seus produtos, e não reconhece a presença da substância em suas cervejas. A produção da empresa permanece paralisada e os produtos estão proibidos de serem comercializados em todo o território nacional, conforme determina a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (Secretaria de Estado de Saúde, 2020b) do governo federal.
Publicado em julho de 2020 em: Journal of Studies on Alcohol and Drugs, 81(4), 522–523 (2020). Publicado online no dia 18 de agosto de 2020 em: https://www.jsad.com/doi/full/10.15288/jsad.2020.81.522