Depressão e Suicídio na Adolescência – Uma abordagem para profissionais de saúde

  • Por Silvana Maria Pereira

Os profissionais de saúde que trabalham com adolescentes muitas vezes questionam e refletem sobre até que ponto as suas ações conseguem efetivamente contribuir para a diminuição dos agravos à saúde destes, à sua integridade física, à sua qualidade de vida e, em última análise, à conquista de sua felicidade.

Não é possível continuar pensando na prevenção a partir da ideia de universalidade dos seres humanos, sem reconhecer a sua diversidade, sua pluralidade, sua unicidade e suas vulnerabilidades. Portanto, não podemos falar de adolescência, mas de “adolescências”, a partir do que está ao seu redor, ao redor da sua realidade. Ao fazer perguntas aos sujeitos com quem estamos interagindo, estas devem abranger as dimensões pessoal, social e de política institucional, tentando reconhecer todos os fatores que podem influenciar nestas vulnerabilidades.

Nesse sentido, é fundamental reconhecer que o adolescente não é um mero ouvinte ou espectador deste mundo, mas deve ser reconhecido e valorizado como autor, realizador e criador de ações no mundo. Portanto, ele deve gostar de conhecer, ter prazer em aprender, identificar-se como uma pessoa participante de um mundo cientificamente organizado, com história e cultura própria, tendo seus direitos reconhecidos e preservados.

Pensar na construção da sociedade futura implica num compromisso ético para cuidar das crianças e adolescentes, e isso inclui não apenas oportunidades socioeducativas, mas também um cuidado especial com a saúde mental. Conforme relatam Saggese & Leite (1999), os transtornos mentais têm uma prevalência elevada neste grupo, entre 10 e 15%, sendo que mais de 50% destes podem chegar a produzir incapacidade permanente. Os estudos também demonstram que esses problemas podem começar precocemente, o que fica demonstrado pelo aumento das taxas de suicídio e homicídio na população jovem em várias partes do mundo.

Como tem sido relatado, na adolescência, como um momento especial de definições na área da sexualidade, da profissionalização, da família, podem convergir alguns desafios, aos quais nem todos os jovens podem responder positivamente, ocasionando sofrimento psíquico e determinando o surgimento de psicopatologias.

Várias situações a serem enfrentadas, nesse período, podem contribuir para agravar os riscos à saúde mental desses jovens: doenças crônicas que, inclusive, podem levar à hospitalização prolongada; a gravidez precoce e não planejada; os pais com problemas de depressão e/ou alcoolismo, ou mesmo psicoses; exposição a situações de violência de qualquer espécie; enfraquecimento ou ruptura dos laços familiares, podendo levá-los à situação de rua; envolvimento precoce com substâncias psicoativas, sejam lícitas como o álcool ou tabaco, ou ilícitas; trabalho infantil; envolvimento em situações violentas ou ilícitas relacionadas ao mundo do crime. Assim, torna-se fundamental adotar medidas de proteção que previnam ou diminuam as situações de risco à saúde mental dos jovens, buscando reverter ou impedir o crescimento dos “desafiliados sociais”.

Algumas situações de risco precisam ser identificadas precocemente pelos profissionais de saúde e, especificamente, da enfermagem, para garantir ações que busquem diminuir o seu impacto na vida dos adolescentes: os quadros psicóticos, que podem associar-se ao risco de suicídio e outros agravos como uso de drogas, comportamento violento, acidentes e internação psiquiátrica; os meninos de rua representam um grupo vulnerável, e muitas vezes, são categorizados como delinquentes e com comportamento antissocial, insistindo em sobreviver numa sociedade que é hostil à sua presença, mas que necessitam de suporte à sua autoestima; os adolescentes que apresentam dificuldade de aprendizagem escolar e mau comportamento, pois carregam o estigma de “não dar certo na escola e, consequentemente, não vão dar certo na vida”.

A adolescência é marcada pela vivência de lutos simbólicos pelas perdas da infância, não apenas para os adolescentes, mas também para seus pais, podendo refletir-se nas formas autoritárias de cobrança que ocorrem nas relações entre pais e adolescentes.

Teles (1993) expressa que a entrada na adolescência é muito dolorosa, principalmente numa sociedade tão complexa, confusa e competitiva. O jovem sente e percebe a sociedade como altamente hostil, vê o mundo adulto com desconfiança, vive a falta de expectativas, esperanças ou sonhos, daí o índice cada vez mais elevado de adolescentes enfrentando as mais variadas formas de depressão, carregados de sofrimento, ansiedade e medo.

Se a adolescência representa um processo de construção e afirmação da identidade, pergunta a autora: como encontrar a si mesmo e afirmar-se em um mundo tão inconsistente, que não oferece modelos atraentes e significativos e com pontos de apoio seguros?

Algumas vezes o adolescente se vê envolvido por conflitos, sentindo-se sozinho, frágil, ou com dificuldades para lidar com altos níveis de tensão. Nessas condições queixa-se do controle dos pais, da falsidade e do egoísmo dos adultos, das mensagens confusas dos meios de comunicação, dos professores mal preparados. Todos estes problemas se desenrolando num ambiente hostil, sem estímulo, assistência e solidariedade, acabam por levar o adolescente à depressão e, algumas vezes, ao suicídio.

Do que o adolescente carece para não entrar neste estado de angústia que pode levá-lo à morte? De presença, solidariedade, amor, compreensão, diálogo, estímulo, honestidade, de forma que perceba que seus problemas têm saída e que não está sozinho.

Alguns especialistas afirmam que apesar de alguns dados de morbidade terem diminuído para a população em geral, aumentaram para o grupo de adolescentes. Assim, insistem que “os jovens de hoje são mais suicidas, têm mais depressão, mais gravidez não planejada, usam de mais violência e têm mais mortes violentas que seus predecessores de qualquer outro grupo, na história da humanidade”. O jovem atual identifica realisticamente que não existem oportunidades iguais para todos. Situado entre a infância e a idade adulta, carrega o pesado fardo dos dois períodos: o peso do próprio passado, o peso das falhas das gerações que o precederam.

Alguns indicadores associados às situações potencialmente destrutivas podem ser listados para conhecimento e difusão entre os profissionais das mais diversas áreas, bem como pais, familiares e amigos que convivem no espaço social. Dentre eles, citamos:

  • Comportamento em classe – declínio na produção, absenteísmo, pouca concentração, comportamentos rebeldes repentinos, temas sobre a morte dominando a produção, perda de interesse em atividades previamente prazerosas.
  • Comportamento interpessoal – abandono das relações, mudanças repentinas nas relações, evitação de envolvimento e de ser tocado. Podemos incluir, aqui, também a perda de uma pessoa querida, suicídios recentes de amigos ou parentes, ruptura com o namorado ou namorada, exposição à violência, incesto ou estupro e situações de desapontamento ou humilhação.
  • Situações físicas – o abuso de substâncias psicoativas, gravidez indesejável, entre outras.
  • Expressões verbais de tentativa de suicídio ou depressão – afirmações diretas de intenções ou formulações indiretas do tipo “ninguém se importa se estou vivo ou morto.
  • Comportamento em casa – depressão ou doença mental na família, incesto ou abuso, relacionamento parental conflitante, falta de comunicação, exagerada pressão no sentido do desempenho.

A ideia de suicídio representa, portanto, algo imaginário, e o desejo de verdadeiramente efetivar o suicídio é mórbido. Essa fronteira é muito delicada e é desejável falar sobre a morte com franqueza, com os adolescentes que apresentam problemas.

A ideia do suicídio é uma fuga para além do comportamento habitual. Conforme relato de Dolto (1990, p.122), alguns jovens que chegam a este ato autodestrutivo estão convencidos de que são um peso para suas famílias, sentem-se culpados por terem nascido e não se sentem desejados ou aceitos. Há um sentimento que reflete ausência de toda possibilidade de esperança, alegria, amor por si e, quando se cria o fantasma do suicídio, o jovem experimenta uma espécie de poder sobre si mesmo, envaidece-se com a ideia da morte e com a emoção que vai causar aos que o consideraram de menos. Para ele, trata-se de uma conduta de risco vinculada a uma aventura, fantasia ou agressão.

Assim, uma ação fundamental é oferecer ao jovem a possibilidade de acreditar no amanhã, no seu papel de protagonista da própria vida, na sua potencialidade transformadora. Ao pensar sobre que tipo de jovem a enfermagem quer contribuir para formar, concordamos com Costa (1999, p.75) ao concluir que é aquele jovem autônomo, solidário, competente e participativo. Nessa concepção, ele emerge como fonte de iniciativa (é dele que parte a ação), de liberdade (na raiz de suas ações está uma decisão consciente) e de compromisso (responde por seus atos). Não é o problema, mas representa a solução!

Quer saber mais sobre princípios a serem considerados na atenção à saúde com adolescentes em situações de risco e vulnerabilidade para depressão e suicídio?

Acesse o artigo na íntegra na Revista Adolescer, em: http://www.abennacional.org.br/revista/cap4.4.html

Outras fontes citadas:

SAGGESE, Edson; LEITE, Lígia Costa. Saúde mental na adolescência: um olhar sobre a reabilitação psicossocial. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Cadernos juventude, saúde e desenvolvimento. Brasília : Ministério da Saúde, v. 1, p.197-205, 1999.

TELES, M. L. S. O que é depressão. São Paulo: Brasiliense, 1992.

DOLTO, Françoise. Los suicidios de adolescentes: una epidemia ocultada. In: DOLTO, Françoise. La causa de los adolescentes: el verdadero lenguaje para dialogar con los jóvenes. Barcelona: Seix Barral, 1990. p. 107-126.

COSTA, Antonio Carlos Gomes da. O adolescente como protagonista. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Cadernos juventude, saúde e desenvolvimento. Brasília, v.1, p.75-79, 1999.