Como conversar com seus filhos sobre dependência química

Em 2016, um estudo federal constatou que quase 21 milhões de americanos com mais de 12 anos sofrem dependência química de alguma espécie. Nos últimos meses o noticiário tem sido inundado de reportagens sobre celebridades que tomaram overdoses e sobre a epidemia de opiáceos. E estimados 8,7 milhões de crianças e adolescentes com menos de 18 anos nos Estados Unidos convivem com pai, mãe ou ambos que sofrem um transtorno de dependência química.

Está claro que a dependência química é um problema que afeta a quase todas as pessoas de alguma maneira, seja diretamente através de uma pessoa na família, ou indiretamente, pelo fato de as pessoas lerem e assistirem a notícias sobre o problema. Os pais querem falar com seus filhos sobre drogas e dependência, mas muitas vezes não sabem quando ou como introduzir essa conversa. Porém, para prevenir é importante conversar.

Para oferecer alguma orientação sobre isso, o portal HuffPost conversou com especialistas em saúde mental e prevenção de dependência química, como o terapeuta John Sovec, de Pasadena, Califórnia. O que Sovec comentou foi: “As crianças de hoje estão muito mais bem informadas, e conversas francas e honestas que os pais tenham com elas agora podem deitar as bases para que as drogas e o álcool não façam parte da vida futura delas”.

Com isso em mente, há nove coisas que você precisa saber quando for conversar com seus filhos sobre dependência química.

Comece cedo

“O importante é que essa é uma conversa que precisa começar muito tempo antes de qualquer criança ser exposta a substâncias em seu círculo de amigos e colegas”, falou Lindsey Prevost, diretora de serviços de prevenção do Conselho da Grande Orleans para o Combate ao Abuso de Álcool e Drogas. “Você pode começar a falar disso com as crianças menores, ainda em idade pré-escolar, e destacar algumas dessas coisas.”

Quando iniciam essa discussão desde cedo, os pais podem mostrar aos filhos que sempre serão uma fonte de informações sobre isso e que seus filhos poderão procurá-los quando tiverem dúvidas ou preocupações. “Sempre termine dizendo: “Amamos você. Nos preocupamos com você. Se não soubermos a resposta, tudo bem, vamos descobrir.”

Converse de maneira apropriada à idade de seus filhos

É claro que começar cedo não quer dizer que você precise discutir todos os detalhes da dependência química com seu filho pequeno. Prevost destacou que a conversa precisa ser adequada à idade de seu filho.

“Com crianças em idade pré-escolar, você pode começar dizendo simplesmente: ‘Estou lhe dando esta vitamina que é importante para ajudar você a crescer e ficar forte, mas você nunca deve tomá-la por conta própria'”, ela explicou. Vale explicar à criança que tomar vitaminas demais – ou tomar vitaminas ou remédios de outra pessoa – pode fazê-la se sentir mal.

Com crianças menores, a discussão pode começar com vitaminas e remédios.

“Você pode começar falando de remédios, dizendo ‘o fato de esse ser o armário de remédios da família não quer dizer que todos os remédios sejam para você. Nós somos responsáveis por cuidar de você, então se você quiser saber alguma coisa sobre algo que há no armário, venha nos perguntar.'”

Deixe a discussão evoluir

Sovec aconselhou os pais de filhos na pré-adolescência a não fecharem os olhos ao grau de exposição de seus filhos à questão de drogas e vício.

“As famílias precisam entender que as drogas estão presentes até mesmo nas escolas primárias, e com certeza nas escolas secundárias”, ele explicou. “Mesmo que não estejam diretamente diante de seus filhos, estão presentes nas redes sociais e nas notícias que eles leem e assistem, então eles estão sendo expostos ao problema da dependência química em idade muito mais precoce do que os pais imaginam.”

Levando isso em conta, é importantíssimo propiciar conversas francas sobre o que seus filhos estão vendo, ouvindo e lendo. “Talvez um colega tenha sido tirado da sala de aula um dia porque foi flagrado com drogas na mochila. Essa é uma oportunidade para perguntar a seu filho o que ele sabe sobre isso e ver se ele tem dúvidas a esclarecer”, disse Sovec. “É um caminho para falar de dependência, drogas e álcool, à medida que essas questões vão ficando mais presentes em torno de seu filho.”

Trace conexões com coisas que seus filhos entendem

Use uma metáfora para explicar o conceito de dependência ou abuso de drogas às crianças menores. Sovec deu um exemplo: um prato de cookies sobre a mesa.

“Algumas pessoas podem comer um cookie e ficar satisfeitas, mas outras pessoas querem devorar o prato inteiro de cookies – elas não conseguem se conter. Depois de comer o prato inteiro de cookies, elas se sentem mal. Esse exemplo é mais próximo da experiência de vida das crianças, então é mais facilmente compreensível.”

Prevosto disse que, quando o órgão para o qual ela trabalha explica às crianças as reações cerebrais presentes na dependência química, elas as relacionam às suas experiências cotidianas. Dizemos ‘Sabe quando você passou um bom tempo correndo ao ar livre num dia de calor e ficou morrendo de sede? E então tomou um gole de água fresquinha e achou tão, tão boa? Ou, sabe quando você está tão cansado que não consegue mais se segurar em pé, e então, quando finalmente deita a cabeça no travesseiro, é uma sensação maravilhosa?”

Nosso cérebro foi “construído” de modo a reforçar as coisas que beneficiam nossa sobrevivência, explicou Prevost, de modo que ele nos recompensa quando fazemos essas coisas, dando-nos uma sensação prazerosa. Mas quando uma pessoa cria uma dependência, essas coisas que antes lhe davam prazer não se comparam mais ao prazer que ela sente ao usar uma droga.

Seja sincero

A honestidade é crucial quando pais e filhos falam sobre dependência química. “Quando tentamos esconder alguma coisa de nossos filhos, eles sabem que há algo acontecendo”, disse Sovec. “Se não validarmos essa informação ou explicarmos como a dependência afeta a pessoa, a família e a comunidade, estaremos prestamos um desserviço a seu desenvolvimento pessoal.”

Prevost destacou que muitos pais hesitam em falar sobre drogas com seus filhos se eles próprios já usaram drogas em algum momento da vida. Mas ainda é possível ter uma conversa construtiva com seus filhos, sem esconder a verdade deles. “As crianças dependem da credibilidade e perceberão se você estiver mentindo a elas.”

“Seu filho pode perguntar: ‘Você já usou isso?’ E você pode ser franco até certo ponto. Não é preciso revelar cada detalhe de tudo que já lhe aconteceu, mas as crianças dependem da credibilidade e perceberão se você mentir a elas.”

“É importante ser sincero sempre que isso for apropriado”, destacou Prevost. “Você pode falar ‘sim, eu experimentei drogas e não foi bom. Muita coisa ruim poderia ter me acontecido.’ Ou ‘uma coisa ruim me aconteceu. Quero evitar que você faça essa mesma escolha, mesmo porque hoje sabemos muito mais sobre drogas, álcool e o funcionamento do cérebro.'”

Não use a tática do medo

Prevost se recorda de quando era criança, na quinta série, e ouviu uma mensagem preventiva de um policial em uma assembleia escolar. “Ele nos falou que se usássemos drogas iríamos morrer ou parar na prisão. Pude ver que essa mensagem não funcionou”, ela comentou. “Meter medo nas crianças não funciona. Talvez funcione no começo, quando elas são muito pequenas, mas a partir do momento que elas conhecerem alguém que usou drogas e não foi para a prisão nem morreu, você terá perdido sua credibilidade junto a elas.”

Deixe claro que a dependência química é uma doença

“É importante ressaltar que, se uma pessoa é viciada, isso não quer dizer que ela seja uma pessoa má. Quer dizer que ela está doente”, falou Prevost, cuja organização combate o estigma da dependência química ser vista como defeito moral ou de caráter. A dependência química é uma doença. Pode ser difícil recuperar-se dela, mas as pessoas podem melhorar e melhoram. Elas só precisam de médicos e de apoio para tratar a doença, disse Prevost.

Utilize apoios adicionais

Prevost destacou alguns apoios que podem ser usados pelos pais para falar de drogas e dependência química com seus filhos, como o site da Partnership for Drug-Free Kids, que inclui manuais para pais, vídeos explicativos e até um telefone para pedir apoio. Ela recomendou também o National Institute on Drug Abuse, a Substance Abuse and Mental Health Services Administration e a Facing Addiction.

Se o pai, a mãe ou outro membro da família imediata da criança é dependente químico, é importante oferecer apoio psicológico a essa criança, observou Sovec. “É muito importante que a criança entenda que o problema não é culpa dela. As crianças frequentemente se acham culpadas pelo que está acontecendo, especialmente quando todo o mundo na família faz silêncio sobre o problema”, ele explicou.

Deixe que seu filho tome a iniciativa

A dependência química pode parecer um tópico difícil demais para tratar com uma criança pequena. Deixe que seu filho pequeno dirija boa parte da conversa. “Se ele tiver dúvidas, ele lhe perguntará”, opinou a terapeuta Ericka Hofmeyer, diretora clínica do 5 Residential Treatment Center, em Los Angeles. “Não é preciso começar já lhe transmitindo detalhes complexos sobre a doença da dependência química. Você pode começar de modo muito simples.”

“Diga a ele: ‘Estarei ao seu lado sempre. Se você der um passo em falso, sempre pode me procurar.'” Se a criança parece estar confusa ou perplexa com a notícia de que uma pessoa da família vai fazer tratamento contra dependência química, Hofmeyer recomendou que é importante enfatizar que essa pessoa vai para um lugar onde poderá ficar em segurança enquanto recebe tratamento. “Não deixe de mencionar que essa pessoa ama a criança”, ela destacou.

Mesmo que não seja uma pessoa da família, a criança pode perguntar a seus pais sobre um cantor ou ator de quem ela é fã que sofre de dependência química ou pode até ter morrido.

“Isso pode causar grande sofrimento à criança”, disse Prevost. “Mas é uma boa deixa para falar de como muitas celebridades vivem sob os holofotes e sob estresse grande e às vezes fazem a opção infeliz de começar a usar drogas para se sentirem melhor, algo que nem sempre funciona.”

Sovec disse ainda que os pais devem observar como seus filhos estão reagindo durante esses papos. “Algumas crianças processam as coisas claramente e podem voltar com mais perguntas. Mas se você notar que está começando a deixar seu filho ansioso, é hora de parar e dizer ‘podemos retomar esse assunto mais para frente’.”

Em última análise, o que é mais importante é que os pais iniciem essa conversa delicada e deixem claro que estão presentes para apoiar seu filho. “Diga a ele: ‘Estarei ao seu lado sempre. Se você der um passo em falso, sempre pode me procurar. Sempre vou querer ouvir você'”, disse Prevost. “E deixe seu filho falar.”

*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.

Fonte: https://www.huffpostbrasil.com/2018/10/09/como-conversar-com-seus-filhos-sobre-dependencia-quimica_a_23555751/