A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) adiou pela segunda vez a votação sobre a liberação do plantio de maconha para fins medicinais. De acordo com o médico psiquiatra Ronaldo Laranjeira, a medida da Anvisa foi, para dizer o mínimo, positivamente cautelosa. Se houver de fato algum composto na maconha com papel terapêutico, isso ainda precisará ser comprovado pela ciência com outros estudos. Qualquer substância usada para tratamentos tem de ser considerada como remédio. Ou seja, tem de passar por levantamentos longos e controlados antes de ser utilizada. Não há milagres na medicina.
A discussão em torno da eficácia medicinal da maconha impõe, naturalmente, um olhar mais amplo, que desembarca em seu uso recreativo. São coisas diferentes, é claro, mas cabe lembrar do antigo dito popular: “Será que a grama do vizinho é sempre mais verde?”. Nem sempre. No Brasil, quando falamos sobre políticas públicas relacionadas à maconha, é muito comum a população, a imprensa e até governantes buscarem modelos que estão sendo praticados em outros países para verificar quais medidas relacionadas ao assunto poderiam ser aplicadas em território nacional.
É fundamental analisar exemplos, principalmente os de sucesso, realizados mundo afora. Japão, Suécia e Islândia têm um consumo muito baixo de maconha. Já nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia quase 20% dos jovens consomem a droga diariamente. Não podemos, nunca, perder de vista o fato de cada nação ter sua peculiaridade. Iniciativas que funcionam em alguns lugares fracassam em outros. Não é possível generalizar, sob o risco de serem postas à mesa políticas de saúde pública inócuas. Calma e bom-senso são fundamentais — e, acima de tudo, o rigoroso acompanhamento científico. Há evidências que o lobby a favor da legalização da Cannabis joga para debaixo do tapete, numa pressão indevida, movida a modismos, alimentada por argumentos rasos. Recentemente, divulgaram-se alguns artigos científicos de extrema relevância sobre o assunto, mas infelizmente eles não chegaram ao conhecimento de grande parte da população. Foram escondidos talvez porque revelem verdades inconvenientes, que batem de frente com o movimento que propõe a autorização da maconha, como remédio ou simples barato.
É possível ver que no Brasil, aqui e agora, a adoção, na prática, de um projeto de lei afeito a representar um enorme avanço na política nacional de prevenção e tratamento contra o consumo de drogas. Trata-se do PLC 37, de autoria do ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB), aprovado em 2013 na Câmara e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro em junho de 2019. O projeto propõe uma nova Política Nacional sobre Drogas no Brasil. Ele busca promover o alinhamento com a Política Nacional de Saúde Mental, oferecer programas de prevenção e de tratamento baseados em evidências, além de ampliar as abordagens terapêuticas, hoje focadas na prática de redução de danos. É atalho para que o poder público possa ampliar a oferta de cuidados adequados às necessidades de cada paciente. O projeto também aprimora a definição dos papéis das esferas municipal, estadual e federal em relação às medidas de prevenção e tratamento, assim como a distinção entre traficantes (que terão penas mais severas) e usuários, sendo que para esses últimos continua a ser aplicada uma lei que despenaliza o consumidor e evita que ele seja preso por portar drogas para uso próprio.
Parece inquestionável aos olhos da ciência: as evidências condenam a maconha e exigem, automaticamente, políticas públicas responsáveis. Nesse aspecto, a cautela com as versões medicinais é boa, ainda que no futuro próximo elas venham a se mostrar realmente úteis.
Para ler a matéria completa do Dr. Ronaldo Laranjeira, acesse: https://bit.ly/2qROUUZ
Fonte: Revista VEJA, edição nº 2657, de 23 de outubro de 2019