Prevenção ocupacional baseada em evidências

Prevenção ocupacional baseada em evidências – Palestra Dr. Roberto Canay, durante o 7º Congresso Internacional Freemind 2022.

O uso de drogas lícitas e ilícitas traz risco à vida das pessoas e provoca perdas de milhões de dólares na economia de diversos países todos os anos. Os acidentes de trabalho tornam-se mais prováveis, o trabalhador já não é tão produtivo como antes e seu desempenho não mantém a mesma regularidade.

Aumentam as faltas, os atrasos e eventuais acidentes e indenizações prejudicam a sustentabilidade das empresas, além de onerá-las com o aumento dos gastos com saúde e com a previdência.

O caminho é a prevenção!

Embora o consumo problemático e a dependência de substâncias sejam constante objeto de estudo dos profissionais da área de saúde ocupacional e seu impacto na segurança seja muitas vezes discutido no ambiente de trabalho, as ações de prevenção ainda se mostram tímidas.

Felizmente, esse cenário vem se modificando.

E para falar sobre como fazer “Prevenção ocupacional baseada em evidências”, o 7º Congresso Internacional Freemind 2022 convidou o Dr. Roberto Canay, doutor em psicologia com mestrado em Saúde Comunitária e especialista em Tratamento Comunitário de Dependências.

Dr. Canay já foi Subsecretário de Prevenção e Tratamento da Secretaria de Políticas Integrais de Drogas – SEDRONAR – da Argentina entre 2015 e 2019 e Diretor do Observatório de Dependências do Governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires entre 2007 e 2015. Atualmente é codiretor do Capítulo Argentino da ISSUP e diretor do Instituto “Forum Vitae” da Obra Social Ferroviária.

E é sobre a experiência de prevenção que o Instituto realiza junto aos trabalhadores da Obra Social Ferroviária que Dr. Canay falou aos nossos congressistas.

Veja um resumo de como foi sua palestra e acesse nosso YouTube para assistir na íntegra em português ou em inglês a palestra sobre Prevenção Ocupacional Baseada em Evidências. Você também pode fazer o download da apresentação de Dr. Canay em nosso site.

O Forum Vitae é um Instituto de prevenção, formação e investigação, criado pela Obra Social Ferroviaria, para conter, conceber e desenvolver múltiplas atividades ligadas a Universidades, Organismos Nacionais e Internacionais, Instituições, entre outros.

Desde 2007, a Obra Social Ferroviaria (OSFE) desenvolve programas e atividades de PREVENÇÃO, FORMAÇÃO E INVESTIGAÇÃO para os ferroviários, com o apoio dos sindicatos Unión Ferroviaria e La Fraternidad.

Na década de 1990, o fechamento de filiais e a privatização dos serviços ferroviários em toda a Argentina geraram uma crise estrutural que causou a falta de controle médico básico por parte dos ferroviários. A população ferroviária apresentava alta prevalência de doenças cardiovasculares, devido a uma cultura de alimentação não saudável, tabagismo, sedentarismo, obesidade, sobrepeso, dislipidemia e hipertensão arterial e, por isso, oi implementado um sistema de detecção de fatores de risco para prevenção de doenças cardiovasculares nos locais de concentração de trabalhadores.

Assim também começou o trabalho especificamente com o consumo problemático de substâncias há aproximadamente 10 anos, que resultou no retorno ao trabalho de 80% dos trabalhadores ferroviários que sofriam de vícios graves.

Diferentes estudos mostram o impacto dos programas de prevenção no contexto do trabalho, gerando resultados positivos na saúde dos trabalhadores e suas famílias, bem como no ambiente de trabalho, produtividade e qualidade do trabalho, serviços ou produtos oferecidos pela empresa.

O Instituto tem trabalhado com 8.000 trabalhadores em 16 províncias da Argentina, com um alcance enorme.

E uma pergunta importante que fica é: “Porque fazer prevenção ocupacional?”

O tema do âmbito laboral é fundamental na vida de todos. Passamos muito tempo das nossas vidas nos espaços de trabalho. Mas além da questão do trabalho, há uma questão de ser constitutivo, de construir uma identidade: nós nos reconhecemos de acordo com o trabalho que fazemos ou de acordo a carreira que nós estudamos – eu sou nome, sobrenome, mas sou médico, sou advogado – e o que fazemos vocacional e laboralmente, de alguma forma, nos constitui como pessoas e também nos constitui com relação a outros.

Desta forma, o ambiente de trabalho é realmente muito propício a tudo o que corresponde a este tipo de intervenções de prevenção ocupacional.

E para fazer uma intervenção de prevenção ocupacional adequada, é necessário dar atenção ao olhar dos trabalhadores. Não podemos oferecer prevenção ocupacional em saúde sem contemplar o saber e o protagonismo dos trabalhadores e trabalhadoras. Porquê? Porque sem isso, o risco de errar é muito grande.

Neste caso do trabalho com os ferroviários da Argentina, observou-se algo muito cultural na realidade deles. Eles se determinam como uma “família ferroviária”, já que existe uma tradição familiar nesse trabalho que passa de pai para filho, por gerações.

A partir disso, começaram a formar líderes nessa família ferroviária, nessa rede, para que eles tivessem ferramentas de cuidado nos espaços de trabalho. Então, primeiro foi feita uma pesquisa, depois trabalhou-se com o tema cultural e a partir daí começou a intervenção.

O que se viu nesses espaços de trabalho era que existia um ambiente de muita confiança espontânea entre os trabalhadores e começou-se um trabalho para fazer com que eles entendessem o problema que já estava naturalizado entre eles, que era o consumo de álcool em determinadas situações, sobretudo nas pausas de trabalho.

O consumo era em quantidade que colocava os trabalhadores em risco, principalmente nesse tipo de trabalho que eles faziam, com maquinário pesado e também que tem uma grande responsabilidade na Argentina.

Há 10 anos existe um controle muito restrito na Argentina, com todas as pessoas, todos os condutores de locomotivas, dos trens e por causa de um grande acidente que aconteceu onde várias pessoas morreram e a pessoa que estava conduzindo o trem estava alcoolizado.

Então, são contextos laborais onde não somente o abuso do álcool é um problema; são contextos laborais em que qualquer ingesta de bebida alcoólica é um risco.

Podemos pensar: “quem de nós, por exemplo, fica tranquilo subindo num avião em que a gente sabe que o piloto tomou um copo de Whisky antes de pilotar?” Você vai tranquilo? E não existe nenhuma quantidade que é abusiva… não!

Qualquer quantidade é um abuso e tem um monte de situações onde esperamos não apenas não existir uso abusivo do álcool: esperamos que nem exista álcool! No caso de uma cirurgia, é possível que o cirurgião tome uma taça de vinho antes do procedimento, por exemplo? Existem situações e contextos em que o consumo deve ser zero!

Começou-se então um trabalho para despertar essa consciência de que qualquer quantidade de consumo de álcool era abusiva e a dar ferramentas para que eles pudessem entender o que fazer, atuar a tempo, e intervir no caso de algum colega de trabalho precisar de ajuda.

E para se ter prevenção ocupacional baseada em evidências, é preciso fazer um acompanhamento das intervenções para saber os resultados, medir e avaliar o que foi feito, determinar se algo precisa ser corrigido e o que está sendo feito corretamente.

E os primeiros resultados que se obteve dessa prevenção ocupacional desenvolvida foram bastante positivos, já que nos últimos 10 anos pode-se observar que diminuíram o número de intervenções agudas com relação ao consumo de álcool e drogas e aumentaram os atendimentos relacionados à intervenção ambulatorial. Então, foi um declínio progressivo nos últimos dez anos, desde que se iniciaram as intervenções precoces.

Resultados do programa de prevenção ocupacional, sobre a utilidade do programa e o interesse dos trabalhadores

Resultados do programa de prevenção ocupacional, sobre conceitos básicos de consumo e fatores de risco

A medição do impacto desses programas de prevenção ocupacional nos últimos anos mostrou que os trabalhadores avaliavam positivamente os programas, a utilidade deles, o conteúdo, a aplicabilidade, mas quando se avaliava a mudança na representação social, podia-se ver que essa mudança era positiva, mas não era significativa estatisticamente, ou seja, os programas não estavam sendo colocados à disposição a tempo.

Isso significa que, se queremos mudar aspectos sociais, precisamos de tempo; são processos e não é algo que se faz em um ou dois anos. São temas e aspectos que não mudam da noite para o dia e, por isso, é importante ter sustentabilidade nesses programas de prevenção ocupacional e, para isso, são necessárias parcerias estratégicas e parcerias políticas, porque sem isso não será possível gerar nas representações sociais e na percepção de risco.

Então, algumas conclusões sobre o programa de prevenção ocupacional que o Instituto Forum Vitae e a Obra Social Ferroviaria da Argentina têm desenvolvido com seus trabalhadores:

Conclusões do programa de prevenção ocupacional desenvolvido com trabalhadores ferroviários na Argentina

– As intervenções preventivas possibilitaram o trabalho sobre os fatores de proteção e cuidado e isso teve um impacto na vida familiar, social e comunitária;

– No contexto dessa empresa houve também uma mudança, e onde antes o que era visto até como uma causa de demissão, agora já era visto de outra forma pelo lado do empregador;

– Foi importante o treinamento realizado com os agentes sanitários, que eram líderes nos espaços e âmbitos de trabalho: cada um deles tinha influência em grupos de 20 a 30 trabalhadores e se tornaram referência em seu espaço de trabalho para as ações de intervenção;

– No tema da Saúde, esse programa mostrou que o absenteísmo diminuiu, assim como diminuíram as hospitalizações dos trabalhadores enquanto aumentavam as intervenções nos espaços ambulatoriais com os trabalhadores podendo voltar rapidamente ao trabalho.