As propostas preventivas devem ser destinadas não apenas a prevenir o uso indevido de drogas, mas a resgatar toda uma dimensão humana desrespeitada.
É uma tarefa difícil e complexa, pois envolve o ato de restabelecer sentidos para a vida social, devolvendo valores e normas éticas baseadas no respeito à pessoa e às suas diferenças, bem como ao ambiente e às tradições culturais, religiosas e históricas.
É este conjunto, com suas numerosas interfaces transculturais, que órgãos internacionais denominam de “melhoria de qualidade de vida”, focalizando não o produto, nem o combate às drogas, mas sim, o homem enquanto cidadão, pessoa e sujeito ativo.
Neste sentido faz-se necessário o desenvolvimento de ações preventivas que, incluindo tanto as drogas lícitas quanto as ilícitas, estejam voltadas para o bem-estar físico, psíquico e social do indivíduo. Toda a ação dirigida para o ser humano deverá, pois, levar em conta os aspectos biopsicossociais uma vez que é da interação destes que se constitui o homem e é a partir das características específicas de cada um, que decorrem as múltiplas origens da drogadição.
Ao eleger a valorização da vida e a qualidade de vida como diretrizes para o desenvolvimento de ações preventivas, considera-se que o problema da drogadição é amplo e não se restringe a uma causa ou motivação, revelando a existência de fatores de risco e fatores de proteção ao uso indevido de drogas.
Como fatores de risco entende-se aqueles que ocorrem antes do uso indevido de drogas e que estão associados, estatisticamente, a um aumento da probabilidade do abuso de drogas. São aqueles que poderão levar o indivíduo a colocar-se diante de agressões. Este enfoque procura prevenir o uso indevido de drogas, eliminando, reduzindo ou mitigando estes fatores.
Como alguns exemplos de fatores de risco tem-se:
- Fatores legais: a falta de cumprimento de pressupostos legais, como por exemplo, os que proíbem a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, ou a inexistência de legislação pertinente e atualizada, favorecem o abuso de drogas, tornando-se um fator de risco.
- Disponibilidade da droga: dependendo das leis e normas da sociedade, sejam as drogas legais ou não, o seu uso pode estar associado à facilidade de acesso ao produto.
- Fatores econômicos (pobreza ou alto poder aquisitivo): estão relacionados ao aumento da delinquência pelos jovens bem como ao uso de drogas.
- Fatores comunitários: constantes mudanças de residência, perda dos laços com a vizinhança, violência urbana, desorganizam a vida social do indivíduo.
- Fatores familiares: a família pode ser uma das variáveis para o primeiro contato com as drogas, já que os hábitos e os conflitos que o jovem percebe a sua volta contribui para uma introdução à costumes e práticas sociais. Os pais que tem, por hábito, o uso de drogas podem representar um comportamento tolerante ou indutor do uso de drogas. A perda dos vínculos familiares e do vínculo maternal podem, também, estar relacionados ao uso de drogas.
- Problemas de comportamento precoces e persistentes: distúrbios de conduta que se iniciam muito cedo e continuam durante a vida, podem favorecer o uso de drogas.
- Problemas escolares: repetências, faltas, pouco compromisso com as atividades escolares.
- Pressão de grupos: através do estímulo dos grupos de iguais ou, em alguns casos, conduzido por um colega que já fez uso de drogas. A droga passa a ser um elemento socializador compartilhado, possibilitando a cumplicidade e um processo interativo com os amigos.
Os fatores protetores são aqueles que protegem o indivíduo de fatos que poderão agredi-lo física, psíquica ou socialmente, garantindo um desenvolvimento saudável. Estes fatores reduzem, abrandam ou eliminam as exposições aos fatores de risco, seja reduzindo a vulnerabilidade ou aumentando a resistência das pessoas aos riscos. Podem ser:
- Dinâmica familiar estruturada;
- Diversificação das opções de vida;
- Rigor com a ética;
- Respeito aos direitos humanos possibilitando o exercício pleno da cidadania;
- Oferecimento de condições dignas de saúde, educação, trabalho, alimentação, entre tantas outras.
Para a implementação dos fatores protetores é necessário o desenvolvimento de um processo participativo que identifique e multiplique as ações protetoras, potencializando os efeitos uns dos outros.
O reconhecimento dos fatores de risco e o conhecimento precoce de problemas de dependência reforçam a cadeia de intervenções, podendo-se evitar seu agravamento.
O compromisso com a qualidade de vida visa o homem dentro do seu contexto concreto de vida, discernindo suas dificuldades, seus conflitos e sofrimentos decorrentes de desequilíbrios psicossociais e econômicos, à procura de soluções mais adequadas passíveis de acarretar uma melhora global das suas condições de existência.
Dentro desta concepção, não é mais possível isolar a prevenção do uso indevido de drogas da prevenção da AIDS ou da prevenção de outros agressores à saúde.
Uma prevenção concebida em uma abordagem holística ultrapassa os reducionismos e “humaniza” as intervenções propostas que tocam, inevitavelmente, em questões humanas fundamentais ligadas à sexualidade, ao prazer, aos sentidos da vida.
Para que uma educação preventiva, circunscrita à qualidade de vida, surta efeitos amplos e contínuos, deve fundamentalmente, não se limitar a situações extremas, com riscos já acentuados.
Ao contrário, deve permear ações sociais e educacionais como um todo e de forma contínua, tanto para adultos quanto para jovens, envolvendo valores universais que presidem um verdadeiro progresso social, a saber: tolerância, solidariedade, paz, justiça e direitos humanos.
Para que este progresso seja verdadeiro, tem que se basear no respeito à diferença e na recusa a toda e qualquer discriminação – princípio democrático elementar.
Por fim, para se concretizar uma efetiva valorização da vida, a educação preventiva deve incluir o respeito permanente aos valores culturais e às necessidades e aspirações de uma determinada população, independente do seu nível socioeconômico. Visa, portanto, disseminar uma verdadeira “cultura preventiva” que possa influenciar as opções que se apresentam nos diversos segmentos da vida.
Neste sentido, necessita de ações que incentivem os processos culturais e interpessoais para fortalecer atitudes, valores e estratégias comunicativas que possam minimizar os mais diversos fatores de risco e incrementar potentes fatores de proteção.