Economista brasileiro diz que o investimento em crianças rende mais que a Bolsa. O retorno vem da economia que o governo faz ao longo da vida dessa criança. Mas economia em quê? Em violência, por exemplo.
Fonte: Uol Educação, por Mariana Della Barba
Como convencer pessoas que não têm filhos de que o governo deveria investir o dinheiro que eles pagam de impostos em melhorias para a vida de bebês, crianças e suas famílias? Como mostrar que esse investimento vai lhes trazer benefícios mesmo não sendo pai ou mãe?
O economista brasileiro Flavio Cunha tem uma resposta: matemática.
Há 15 anos, ele pesquisa temas ligados à primeira infância (da gestação aos cinco anos de idade), e seus estudos apontam que aplicar verbas públicas em programas para grávidas, bebês e crianças pequenas é um investimento lucrativo para qualquer governo. Dá mais retorno, diz ele, do que ações na Bolsa de Valores, aplicações e fundos de bancos ou corretoras.
“Quando você investe US$ 1 (cerca de R$ 5,26) nessa fase [de 0 a 5 anos], você recebe em troca US$ 6 (R$ 31,56) quando a criança vira adulta. Isso é um retorno de investimento gigantesco, de 13%, 14%. Se oferecesse [essa proposta] aos banqueiros de Wall Street, eles assinariam na hora”, diz.
“[Bernard] Madoff conseguiu muitos interessados no investimento dele, e nem oferecia essa taxa. Só que, diferentemente dos dele, esses investimentos são reais, com benefícios para toda a sociedade”, diz o economista, rindo, em referência ao norte-americano que foi preso por operar um sistema fraudulento que atraía investidores prometendo mais de 10% de retorno anual.
Cunha é coautor de vários estudos com o economista James Heckman, Prêmio Nobel da Economia em 2000, que explica o porquê desse investimento –feito especialmente em famílias de baixa renda — ter um retorno tão alto.
Essa eficiência vem justamente da economia que o governo faz ao longo da vida dessa criança. Mas economiza em quê? Em violência, por exemplo.
Um dos estudos assinados por Cunha e Heckman acompanhou décadas da vida de crianças em idade pré-escolar matriculadas em um projeto do governo para essa faixa etária em Michigan (EUA). Quando adultas, elas tinham maior probabilidade de conseguirem empregos e menor risco de entrar no crime. Com menos presos, o governo acabou economizando, pois construiu menos cadeias e gastou menos com detentos.
Essa economia foi um dos itens na conta de que, a cada dólar investido em uma criança de quatro anos, o governo acabou economizando US$ 300 quando ela chegou aos 65 anos.
E não só ao gastar menos com presídios, mas também no sistema de saúde, já que houve entre esse grupo menos casos de doenças, menos adolescentes grávidas e menos crianças internadas por violência dos pais — para citar apenas três exemplos.
Também entra na equação a maior empregabilidade desses adultos e a maior renda. Em um dos casos analisados, crianças de famílias de baixa renda que participaram de um programa de visitação domiciliar na Jamaica aumentaram seus ganhos em 25% quando adultos.
“Assim, fica claro que esse investimento beneficia todos os setores da sociedade, já que também acaba ‘sobrando’ verba pública para aprimorar outras áreas”, explica Cunha.
Comportamento diante de problemas
Mas o que exatamente acontece nessa “janela de oportunidade”, como é conhecida a primeira infância, que faz o desenvolvimento nessa idade ter impacto até a velhice? O que essas crianças de até cinco anos têm de aprender para, de fato, serem adultos mais saudáveis, equilibrados e produtivos?
Segundo Cunha, a resposta passa longe de conteúdos como escrever ou fazer contas.
“O que faz a diferença [nessa idade] são as habilidades emocionais, avaliadas em questionários para ver como as crianças se comportavam diante de adversidades, com perguntas como ‘Quando tem um problema, você fica nervoso ou grita com outras crianças?’, ‘Você para de tentar fazer o que estava fazendo ou continua tentando?’ e ‘Se você continuar, consegue ir para outra direção?’”
“Estudos mostraram que as crianças que se saem bem nesse tipo de avaliação são as com maior probabilidade de ter, por exemplo, uma vida saudável e longe do crime.”
O economista lamenta que a maioria dos testes educacionais hoje meçam apenas o aprendizado do conteúdo em si, como matemática e gramática.
“Os aspectos do nosso capital humano – ou seja, a maneira como me comporto diante de adversidades – podem ser ainda mais importantes. Mas o sistema educacional está estritamente voltado para quanto o aluno está preparado para a matemática e não para a vida.”
Funciona no Brasil?
Também é preciso entrar nessa fórmula a valorização dos pais e dos cuidadores das crianças, mas com amparo para eles, e não apenas transferindo a responsabilidade. “No Brasil, ainda temos um longo caminho a ser percorrido nesse sentido”, diz o economista.
“Sem atenção a eles, o investimento é incompleto. Alguns dos projetos que estudamos têm intervenções simples, especialmente com mães e pais que não têm o preparo para entender as necessidades das crianças. Um exemplo é um projeto nos EUA que explicava, ao visitar familiares, que, quando o bebê chora, pode ser fome e não malcriação. Com a orientação, foi reduzido o número de bebês internados por apanharem dos pais.”
Valorizar o socioemocional e envolver a família são fundamentais nesse investimento, mas não é possível criar uma fórmula de como colocá-lo em prática.
“Cada projeto tem de atender às necessidades daquele local. Um programa norte-americano talvez não funcione no Brasil, assim como um programa que atende famílias no interior do Ceará pode não ser boa ideia para São Paulo. Além disso, é preciso que caibam no orçamento do país em questão”, diz.
Para o economista, investir na primeira infância é eficiente, já que há evidências econômicas mostrando isso. Mas ficar apenas nisso não é condição suficiente para o sucesso.
Para Cunha, é preciso ter em mente que o investimento “não é uma vacina”. “Mas mostra que, se não fizer isso, sai mais caro. Se um governo não colocar dinheiro nesse setor, dá para fazer um programa com adolescentes para reduzir a criminalidade? Sim, provavelmente, mas vai ser mais caro.”
Em relação às drogas, esse investimento também é lucrativo?
Sim! Cada dólar gasto em prevenção pode economizar até dez dólares, é o que diz o Relatório Anual de 2013 da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE).
Apenas um em cada seis usuários problemáticos de droga em todo o mundo – cerca de 4,5 milhões de pessoas – recebe o tratamento que ele ou ela precisa, a um custo global de aproximadamente 35 bilhões de dólares por ano, diz a Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE), sediada em Viena, no seu Relatório Anual para 2013.
Heroína, cannabis e cocaína são as drogas mais utilizadas por pessoas que iniciam o tratamento em todo o mundo. O presidente da JIFE, Raymond Yans, observa que o investimento em prevenção e tratamento é uma “opção de investimento” sábia, pois pode levar a economias significativas em cuidados de saúde e custos relacionados com o crime, além de aliviar o sofrimento das pessoas dependentes de drogas e suas famílias.
Cada dólar gasto em prevenção pode economizar até dez dólares em custos posteriores para os governos. O relatório da JIFE revela disparidades regionais significativas na oferta de tratamento: na África, apenas um em cada 18 usuários problemáticos de drogas recebe tratamento. Na América Latina, no Caribe e no Sudeste da Europa, um em cada 11 usuários problemáticos de drogas é tratado, enquanto que na América do Norte esse número é de um em cada três.
O abuso de medicamentos é uma grande ameaça à saúde pública, superando as taxas de abuso de drogas ilegais em alguns países – a JIFE alerta para a ampla disponibilidade de medicamentos sob prescrição.
“Dias de devolução” como parte das iniciativas de eliminação segura de medicamentos prescritos são importantes, mas não o suficiente para combater a tendência crescente de abuso de medicamentos, causada pela ampla disponibilidade dessas substâncias, diz o presidente da JIFE. “Há uma percepção errônea de que medicamentos são menos suscetíveis ao abuso do que drogas ‘ilícitas'”.
O ambiente familiar é a principal fonte de medicamentos que não são mais necessários ou utilizados para fins médicos, posteriormente desviados para o abuso. Pesquisas mostram que uma percentagem significativa de pessoas que abusam de medicamentos obteve a droga pela primeira vez a partir de um amigo ou membro da família que havia adquirido o remédio legalmente.
O abuso de medicamentos é uma ameaça grave e crescente para a saúde pública na América do Norte, que é a região com a maior taxa de mortalidade relacionada a drogas no mundo. O relatório da JIFE diz que o abuso de medicamentos só pode ser resolvido se forem abordadas as causas principais da oferta excessiva, como a prática de ir a vários médicos ao mesmo tempo para conseguir mais de uma receita para a mesma substância (“doctor-shopping”), a prescrição excessiva por profissionais médicos e a falta de controle na emissão e arquivamento de prescrições.
Fontes: Acolhimento Familar e UNODC